NOTAS Y DEBATES DE ACTUALIDAD

UTOPÍA Y PRAXIS LATINOAMERICANA. AÑO: 22, n°. 79 (OCTUBRE-DICIEMBRE), 2017, PP. 131-139 REVISTA INTERNACIONAL DE FILOSOFÍA Y TEORÍA SOCIAL

CESA-FCES-UNIVERSIDAD DEL ZULIA. MARACAIBO-VENEZUELA.


Necessidades do Corpo Criança na Escola: Possíveis Contribuições da Corporeidade, da Motricidade e da Complexidade

Needs of the Body-Child in the School: Possible Contributions of the Corporeity, Motricity and Complexity

Necesidades del Cuerpo Niño en la Escuela: Posibles Contribuciones de la Corporeidad, de la Motricidad y de la Complejidad

Wagner WEY MOREIRA

Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil


Marcus Vinicius SIMÕES DE CAMPOS

Universidade Estadual de Campinas, Campinas, S-P, Brasil.


RESUMO


Está tramitando nas instituições legislativas do Brasil proposta governamental destinada a modificar o oferecimento do ensino na Educação Básica. O presente texto, a partir desta constatação, procura demonstrar alguns pontos importantes que devem ser levados em consideração sem os quais o empreendimento pode ser desnecessário. 1- A tecnologia que ora adentra a escola deve ser acompanhada com mudanças de como tratar o corpo do aluno, enaltecendo a importância do ato de se movimentar. 2 – Necessidade de uma educação integral, o que significa uma educação de corpo inteiro e não apenas destinado à cabeça dos alunos. 3 – Uma revisão paradigmática no que diz respeito a tradição disciplinar, buscando a operacionalização do conceito de complexidade em educação.

Palavras Chave: Educação Básica; Corporeidade; Motricidade; Complexidade.

ABSTRACT


It is processing in the legislative institutions of Brazil a governmental proposal aimed at modifying the offer of teaching in Basic Education. This text, based on this finding, seeks to demonstrate some important points that should be taken into consideration without which the undertaking may be unnecessary. 1- The technology that now enters into the school must be accompanied

by changes of how to treat the body of the student, extolling the importance of the act of moving. 2 - The need for an integral education, which means a whole body education and not only for the students’ heads. 3 - A paradigmatic revision regarding the disciplinary tradition, seeking the operationalization of the concept of complexity in education.

Keywords: Basic education; Corporeity; Motricity; Complexity.

RESUMEN


Se está tramitando en las instituciones legislativas de Brasil una propuesta gubernamental destinada a modificar la oferta de la enseñanza en la Educación Básica. El presente texto, a partir de esta constatación, intenta demostrar algunos puntos importantes que deben tenerse en cuenta sin los cuales el emprendimiento puede ser innecesario. 1- La tecnología que entra en la escuela debe ser acompañada con cambios de cómo tratar el cuerpo del alumno, enalteciendo la importancia del acto de moverse. 2 - Necesidad de una educación integral, lo que significa una educación de cuerpo entero y no sólo destinada a la cabeza de los alumnos. 3 - Una revisión paradigmática en lo que se refiere a la tradición disciplinaria, buscando la operacionalización del concepto de complejidad en educación.

Palabras clave: Educación Básica;Corporeidad; Motricidad; Complejidad.


Recibido: 03-08-2017 ● Aceptado: 30-08-2017


Não sabemos o que se passa e isso é o que se passa.

Ortega y Gasset


Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível muda-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda a possibilidade que tenha para não apenas falar de

minha utopia, mas participar de práticas com ela coerente.

Paulo Freire


O mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me

indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável.

Maurice Merleau-Ponty


O ser humano é, a um só tempo, físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico. Esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível

aprender o que significa ser humano.

Edgar Morin


INTRODUÇÃO

Estamos em um momento, no Brasil, de sugestões para modificação das estruturas curriculares da Educação Básica, bem como há a proposta de tornar em tempo integral as escolas que ministram o Ensino Fundamental.

O objetivo do presente texto é, a partir desse contexto, elaborar uma reflexão acerca do tema, bem como indicar algumas possibilidades para o trato do assunto, deixando já um posicionamento inicial importante. No que diz respeito a educação, a formação continuada se estabelece, segundo André e Romanowski1 a partir de três pontos: 1- a aquisição de conhecimento e competência pode ser conseguida através de tecnologias educacionais, treinamentos, palestras e seminários; 2- fundamental é a prática reflexiva em todo o processo; 3- essa prática reflexiva deve extrapolar a coerência tópica de propostas programáticas, incluindo aí preocupações com o ser docente, com o espaço disponível e com instituição escola.

Entendemos que as modificações ora propostas poderão ter algum sentido se estivermos atentos a alguns princípios: 1- A evolução tecnológica que adentra a escola é oportuna, desde que com ela também tenhamos a inclusão da motricidade como elemento fundamental para a aprendizagem. 2 – Uma escola de tempo integral só se faz necessária se a educação for de corpo integral, deixando o ato educativo de ser mera compreensão de conceitos destinados só às cabeças dos alunos e estes imóveis em sala de aula. 3 – O tradicional sistema educacional, calcado em disciplinas estanques, deve ser revisto permitindo a integração e o sentido de complexidade das ações educativas.

Os pressupostos referidos no parágrafo anterior servirão de base argumentativa deste texto, procurando colaborar para as reflexões propostas sobre o tema norteador “Inquietudes e Fronteiras Cotidianas em Educação”.


CORPO/CORPOREIDADE, MOTRICIDADE NA ESCOLA, EDUCAÇÃO E ESCOLA


  1. ANDRÉ, M.E.D.A & ROMANOWSKI, JP (2002). “O tema formação de professores nas dissertações e teses”, In: ANDRÉ, M.E.D.A (Org.) Formação de professores no Brasil 1990-1998, Brasilia: MEC-Inep, n°.6.


    É interessante notar nas últimas décadas o ritmo acelerado da evolução tecnológica, inclusive aquela que adentra a escola. Apenas como elementos para nossa percepção podemos salientar alguns exemplos.

    Na primeira metade do século passado, o aluno aprendia a escrever com uma caneta em que a pena constantemente mergulhava no tinteiro existente nas carteiras. Já na segunda metade deste mesmo século, o ato de escrever passou a ser dominado pela caneta esferográfica, dotada de várias cores e facilmente descartável. Nos dias atuais parece que a caneta foi substituída pelos celulares que fotografam os slides e as anotações nos quadros feitas pelos professores.

    Até os anos cinquenta do século XX o conhecimento era buscado especialmente em enciclopédias, as quais eram atualizadas anualmente com um novo volume. Já no final dos anos XX os cadernos temáticos supriam a curiosidade dos alunos e professores. Hoje, pesquisar conhecimento tem endereço na internet, através dos sites de pesquisa.

    Quanto aos instrumentos áudio visuais o fato se repetiu. O quadro de giz, inicialmente solo, ganhou a companhia dos retro projetores e projetores de slides, para nos dias de hoje serem substituídos por aplicativos como PowerPoint.

    No entanto, quando buscamos a evolução da presença corporal dos alunos na escola, se esta acompanhou as mudanças e ou se ela apresenta modificações de comportamento, encontramos a contradição. O corpo inerte do aluno, acorrentado às carteiras continuou o mesmo, situação essa que perdura a pelo menos três séculos.

    No tempo presente, em pleno século XXI, ainda oferecemos no Ensino Fundamental e no Ensino Médio uma educação calcada em conceitos a serem dominados pela cabeça do aluno e a maioria deles sem uma relação direta com a existência do discente.

    Aqui já é oportuno lembrar que conhecer, para Merleau-Ponty2, é entrar em um universo de seres que se mostram, é habitar esse objeto do conhecimento. Habitar um conhecimento só é possível através do corpo todo e não apenas com a ideia conceitual do que se quer conhecer.

    Argumentos necessários para justificar uma educação de corpo inteiro não são poucos. Quando nos referimos aos alunos nos primeiros anos do Ensino Fundamental, Freire3 já afirmava que os professores, de forma geral, não suportam a mobilidade das crianças, mas estas devem suportar nossa imobilidade. Vai além ao alertar que é difícil poder se referir a uma educação concreta na escola quando o corpo é considerado como um intruso no ambiente escolar. Sugere, inclusive, que no início do ano letivo as escolas matriculem o corpo todo da criança na escola e não apenas a sua cabeça.

    Estruturado na teoria de Piaget o autor mencionado demonstra que as etapas dos períodos do desenvolvimento infantil podem ser melhor aproveitadas quando estimulamos o movimento e este irá instigar a motricidade do aluno para a busca do conhecimento e da autonomia. Em sua obra, detentora de um grande número de edições, sugere jogos e a construção e ou aproveitamento de materiais pedagógicos para o estabelecimento de uma pedagogia do movimento.

    Já Trovão do Rosário4 sustenta que é o estudo do movimento corporal que permitirá escolher associações motoras e, através delas, a construção de operações lógicas. Enfatiza ainda que nas escolas e nos trabalhos de pesquisas sobre preocupações pedagógicas encontramos muito material


  2. MERLEAU-PONTY, M (1994). Fenomenologia de percepção, São Paulo: Martins Fontes.

  3. FREIRE, JB (2002). Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física, São Paulo: Editora Scipione.

  4. TROVÃO DO ROSÁRIO, A (1999). “A motricidade humana e a educação”, in: SERGIO, M (Org.) (1999). O sentido e a acção,

    Lisboa: Instituto Piaget.


    atrelado aos estudos da linguagem oral, mas deixamos de lado a atenção quanto a importância de pesquisas sobre linguagem gestual.

    O mesmo autor levanta uma tese interessante, ao mostrar que o conhecimento sobre motricidade pode estabelecer o diálogo entre quem somos e o que nos é exterior, bem como a percepção do exterior pode facilitar o conhecimento de nós mesmos.

    Claro está que ainda existe uma profunda confusão conceitual entre os termos motricidade e movimento. Apenas para tentar rapidamente superar este problema, podemos afirmar que a essência da motricidade humana é o sentido, a significação, a intenção, e o movimento é a explicitação concreta da motricidade. Melhor dizendo o sentido de motricidade:


    O essencial na motricidade humana é a experiência originária, donde emerge também a história das condutas motoras do sujeito, dado que não há experiência vivida sem a intersubjetividade que a práxis supõe. O ser humano está todo na motricidade, numa contínua abertura à realidade mais radical da vida. E não só a motricidade assume assim um caráter fundador, como dela e nela nasce uma ontologia nova, onde o que mais importa não são as performances de ordem físico-desportiva, mas o que se é, numa cumplicidade primordial com a minha própria ontogênese, como ente que se faz e se renova quer individual, quer social e politicamente5.


    Isto posto, não é o ato de se movimentar simplesmente que indicamos aqui, mas a importância do movimento para o “desenvolvimento humano através da motricidade, pelo estudo do corpo e das suas manifestações, na interacção dos processos biológicos com os valores sócio-culturais”6.

    Vários autores indicam, como possibilidade pedagógica, a utilização do jogo para o desenvolvimento da aprendizagem escolar junto a crianças e adolescentes. Claro está que para se jogar, há que se movimentar.

    Silva7 demonstra a importância do jogo ao trazer para nossa reflexão argumentos de Neto8. O jogo na escola dá oportunidade para a criança vivenciar espaços de liberdade e, ao mesmo tempo, contribui para a resolução de problemas, favorecendo a formação de hábitos saudáveis bem como auxiliando no equilíbrio físico, emocional e psicológico.

    Jogar é uma maneira de se viver poeticamente e isto tem sido banido da escola.

    De Masi9 afirma que na sociedade pós industrial, no que diz respeito ao corpo, a falta de movimento nos tornará cada vez mais sedentários o que leva rapidamente à obesidade. Daí a importância da educação escolar colaborar para a alteração do sentido histórico do movimento, aquele que era executado de forma repetitiva como um modelo de ação sobre máquinas. “Estamos habituados a desempenhar funções repetitivas como se fôssemos máquinas e é necessário um grande esforço para aprender uma atividade criativa, digna de um ser humano”10. Mais uma vez encontramos a necessidade de associar ao movimento o sentido de intencionalidade, de existencialidade corpórea no tempo e no espaço, funções essas que deveriam ser parte integrante da educação formal na escola.


  5. SÉRGIO, M (1999). “A racionalidade epistêmica na educação física do século XX”, in: SERGIO, M (Org.) (1999). Op. cit., p. 19.

6 SÉRGIO, M (1996). Epistemologia da motricidade humana, Lisboa: Edições Faculdade de Motricidade Humana, p. 15.

  1. SILVA Da, J.V.P (2008). “Educação física, motricidade humana e lazer infantil”, in: GOLIN, CH; PACHECO NETO, M & MOREIRA, WW (Orgs.) (2008). Educação física e motricidade: discutindo saberes e intervenções, Dourados: Seriema Editora Ltda, pp. 157-177.

  2. NETO, C (2003). Jogo e desenvolvimento da criança, Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana.

9 DE MASI, D (2000). O ócio criativo, Rio de Janeiro: Sextante.

  1. Ibíd, p. 19.


    Se nas argumentações anteriores sugerimos a importância de se passar do conceito de mero movimento ao de movimento imbricado no sentido da motricidade, também se faz necessária a passagem, na educação escolar, do entendimento de corpo para o de corporeidade.

    Tradicionalmente nas escolas o corpo, enquanto apenas como massa muscular e estrutura óssea, e o movimento, enquanto ações relacionadas a correr, exercitar-se de forma repetitiva e de prática de modalidades esportivas, esteve ligado à Educação Física, numa espécie de compensação a imobilidade exigida para se aprender conceitos emitidos pelas outras disciplinas curriculares, contribuindo para a dicotomia corpo e mente. O que se propõe agora é a superação dessa forma de ação se pretendemos uma educação integral do aluno. Daí a razão de empreendermos nossa caminhada pela corporeidade.

    Aqui se faz necessária a superação da visão dualista presente nos dias de hoje com as diversas manifestações de “culto ao corpo”. Esse culto pode ser identificado nas malhações em academias e nas cirurgias plásticas, ações essas destinadas aos cuidados corporais. Somos impelidos a cuidar do corpo, a buscar vida saudável, mas essas ações ainda atreladas a ideia de corpo objeto, o qual pode ser melhorado, moldado, consumido, formatado num padrão estético de perfeição.

    Moreira e Simões também revelam a preocupação com a redescoberta do corpo ocorrida no século XX calcada ainda no corpo objeto. Dizem que:


    Vemos as pessoas buscando felicidade no bom funcionamento do corpo, nas praças, nas academias, na contratação de personal trainers, indicando que o ser humano ideal não seria necessariamente um produto social, mas, sim, um ser fabricado em laboratório. [...]


    Hoje, numa sociedade em que a cultura do consumo está muito evidente, o corpo é veículo de prazer, estando ligado a imagens idealizadas de saúde, juventude, beleza e aptidão, maximizando o aparecimento das indústrias da moda, cosméticos, alimentação, academias de ginástica, cirurgias plásticas e fabricação de próteses, tudo isso popularizando o sentido de corpo-máquina11.


    De outra ordem Nóbrega12 é enfática ao se referir a respeito da concepção de corpo em Merleau- Ponty: “O corpo não é coisa, nem ideia, o corpo é movimento, gesto, linguagem, sensibilidade, desejo, historicidade e expressão criadora”. Vê-se que nesta trilha encontramos oposição à perspectiva mecanicista da filosofia, da educação e das ciências tradicionais no que diz respeito a compreensão do corpo humano. Diz mais a autora:


    Merleau-Ponty apresenta uma visão de corpo diferente do modelo matemático: nem coisa, nem ideia, o corpo está associado à motricidade, à percepção, à sexualidade, à linguagem, ao mito, à experiência vivida, à subjetividade, às relações com o outro, à poesia, ao sensível, apresentando-se como um fenômeno enigmático e paradoxal, não se reduzindo à perspectiva de objeto, fragmento de mundo regido pelas leis de movimento da mecânica clássica, submetido a leis e estruturas matemáticas exatas e invariáveis13.


    Sempre apoiada em Merleau-Ponty, a autora ressalta a importância do sentir e do compreender como condição corpórea e através do gesto, “cuja estesia inaugura uma possibilidade de uma racionalidade que emerge do corpo e de seus sentidos biológicos, afetivos, sociais, históricos”14. Desta forma redimensionamos o ato de conhecer relacionando-o à experiência vivida, ao corpo e à motricidade.


  2. MOREIRA, WW & SIMÕES, R (2016). “Educação física, esporte e corporeidade: associação indispensável”, in: MOREIRA, WW & NISTA-PICCOLO, V (Orgs) (2016). Educação física e esportes no século XXI, Campinas: Papirus, p. 135.

  3. NÓBREGA, TP (2010). Uma fenomenologia do corpo, São Paulo: Livraria da Física, p. 47.

13 Ibíd., p.54.

14 Ibíd., p.81.


Também Gallo e Zeppini15 nos mostram que há excelentes referenciais epistemológicos para nos auxiliar a conhecer corporeidade neste início do século XXI superando as preocupações indicadas anteriormente. Sugerem, em seu texto, nos apropriarmos, dentre outros, de Foucault, de Deleuze e Guatari na trilha do estabelecimento de corpos intensivos favorecendo o trato da corporeidade, e esta como parte ativa da constituição ética do ser humano.

Corporeidade, mais que um conceito, é uma atitude perante a vida, no conhecimento de si mesmo, dos outros seres humanos e do mundo ou das coisas. Daí a razão de sua importância no âmbito escolar, momento em que os professores estejam capacitados para, da mesma forma que ensinam conceitos atrelados a várias disciplinas curriculares, ensinar as crianças a serem mais sensíveis, a conviveram melhor, a não se esquecerem do corpo que são, isto tudo através da aprendizagem da motricidade e da corporeidade.

Assumir o sentido de corporeidade na escola é associar ética e corpo, combinação essa em falta no momento presente. Reconhecer, via corporeidade, a totalidade do ser humano é mais que apenas explicitar um pensamento constitutivo desse ser.

Claro está que corporeidade não é tema que vai salvar o mundo, mas, ela é sinal de presentidade no mundo. “É a presença concreta da vida, fazendo história e cultura e ao mesmo tempo sendo modificada por essa história e por essa cultura”. Diz mais o autor: “Corporeidade é o ser vivente exercitando sua motricidade. Corporeidade não é um conceito, é um estilo de vida na busca da superação”16.

Necessitamos de uma escola de educação integral na qual os professores estejam aptos a desenvolverem com seus alunos a aprendizagem da corporeidade e da motricidade. Importante reafirmar, nas palavras de Nóbrega17: “O sentido da corporeidade revela-se na estesia do corpo, configurando uma linguagem sensível, marcada por gestos, silêncios, sentimentos, pensamentos e falas”.

Como argumento final da importância do sentido de corpo/corporeidade na educação e já nos preparando para a argumentação sobre complexidade, apropriamo-nos de Merleau-Ponty:


Deve-se compreender de todas as maneiras ao mesmo tempo, tudo tem um sentido, nós reencontramos sob todos os aspectos a mesma estrutura de ser. Todas essas visões são verdadeiras, sob a condição de que não as isolemos, de que caminhemos até o fundo da história e encontremos o núcleo único de significação existencial que se explicita em cada perspectiva. É verdade, como diz Marx, que a história não anda com a cabeça, mas também é verdade que ela não pensa com os pés. Ou, antes, nós não devemos nos ocupar-nos nem de sua “cabeça”, nem de seus “pés”, mas de seu corpo18.


COMPLEXIDADE, EDUCAÇÃO E ESCOLA

A par de nossa argumentação anterior referente a importância da presença na escola de tempo integral e de educação integral da corporeidade e da motricidade, uma nova exigência se faz sentir: o entendimento de educação em sua complexidade, na tentativa de superação do cartesianismo histórico. Não nos preocupamos em detalhar a teoria da complexidade neste momento, e sim apontar para uma possível mudança paradigmática.


15 GALLO, S & ZEPPINI, OS (2016). ““O que pode um corpo?” Perspectivas filosóficas para a corporeidade”, in: MOREIRA, WW & NISTA-PICCOLO, V (Orgs) (2016). Op. cit.

16 MOREIRA, WW & SIMÕES, R (2016). “Educação física, esporte e corporeidade: associação indispensável”, in: MOREIRA, W. W.; NISTA-PICCOLO, V (Orgs) (2016). Op. cit., pp. 149-150.

  1. NÓBREGA, TP (2010). Op. cit., p. 92.

  2. MERLEAU-PONTY, M (1994). Op. cit., p. 92.


Assim, nos apropriaremos de Edgar Morin, em especial de um de seus últimos escritos: A Via: para o futuro da humanidade. Morin19 nessa obra indica a necessidade da mudança de rumo no que diz respeito as políticas da humanidade e as reformas do pensamento da educação, da sociedade e da vida.

Necessitamos unir esforços para entender como a escola pode colaborar para a possibilidade de instalarmos o que o autor denomina de a reforma da vida. Já como ponto inicial, podemos destacar o erro que se comete no momento presente, pelo governo federal brasileiro, ao anunciar a nova proposta curricular do Ensino Médio calcada no pragmatismo das urgências cotidianas e estas vinculadas aos valores monetários e competitivos de mercado.

A educação escolar é bem reflexo dessa preocupação do autor. “Nossas vidas ficam diminuídas pelo excesso de prosa consagrada às tarefas obrigatórias, que não propiciam nenhuma satisfação, em detrimento da poesia da vida que desabrocha no amor, na amizade, na comunhão, no jogo”20.


Quanto mais sentimos falta de uma dimensão interior, mais a lógica da máquina artificial nos invade e nos oprime, quanto mais o mundo quantitativo de “sempre mais” nos infesta, mais aquilo que nos falta se torna uma necessidade: a paz da alma, o relaxamento, a reflexão, a busca de outra vida que responde ao que se encontra atormentado, sufocado em nosso interior21.


Diz mais o autor que devemos estabelecer um sistema que combine serenidade e intensidade, sendo isto também função de propostas educativas na busca de uma auto educação em que possamos, dentre outras conquistas: buscar a capacidade de controlar nervosismos e ressentimentos; equilibrar em igual medida razão e paixão, ambas necessárias a vida humana; desenvolver a autocrítica, pois isto permite conhecer a si mesmo e compreender o outro; reservar tempo para a meditação, sem o que fica impossível reverter a tendência atual do consumismo desenfreado.

Interessante constatar hoje que, ao invés de analisarmos os problemas de nosso sistema educacional, de identificarmos a inadequação de nossas posturas pedagógicas, preferimos falar de alunos despreparados ou de discentes possuidores de corpos hiperativos.

Salvo melhor juízo, as novas propostas para a Educação Básica não darão conta de colaborar com as preocupações anteriormente levantadas exigindo de todos nós uma luta para o redimensionamento das recomendações agora transformadas em lei.

As reformas da vida devem necessariamente subordinar a possibilidade de felicidade à qualidade poética da vida e não à quantidade de objetos a serem adquiridos ou mesmo consumidos. Uma educação permanente deve ter em conta a manutenção das virtudes aprendidas e ou conquistadas pelo ser humana em suas idades precedentes: a curiosidade insaciável de infância; as aspirações e revoltas dos adolescentes e jovens; a responsabilidade dos adultos. Assim, na velhice estaríamos aptos a tirar proveito de todas as experiências vividas22.

A educação formal deve também realçar a preocupação com a ética do ser humano. Diz o autor que este é caracterizado por duas dimensões: a primeira representada pelo egocentrismo que tende a sacrificar os outros por si e, a segunda, polo inverso, em que há o sacrifício de si pelos outros, revelando altruísmo, amizade e amor. É esta segunda dimensão que deve ser estimulada na escola para uma reforma ética.


19 MORIN, E (2013). A via para o futuro da humanidade, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

20 Ibíd., p.330.

21 Ibíd., pp.333-334.

22 Ibídem.


A ensino formal ministrado por professores necessita apresentar aos alunos um sentido ético concebido em três pontos básicos: a ética individual que está atrelada ao permanente autoexame da consciência de cada um, deixando claro que a reforma moral só é possível através do “autoexame permanente e a atitude de compreensão para com o outro”; a ética cívica, pois “Em uma sociedade na qual o indivíduo goza de direitos, é a ética do cidadão que deve assumir seus deveres para com a coletividade”; a ética do gênero humano considerando “Ainda que uma ética universal concernente a todos o seres humanos parecesse abstrata antes do advento da era planetária, a partir de agora, a comunidade de destino de todos os humanos torna a ética universal cada vez mais concreta”23.

Para isto é necessário caminharmos na reforma do pensamento, alterando nosso modo de conhecimento, pois este nos levou, graças à superabundância de informações, a não saber contextualizá- lo, organizá-lo e compreende-lo. E quais as características do conhecimento desenvolvido na escola do tempo presente? Morin nos mostra:


Nosso modo de conhecimento fragmentado produz ignorâncias globais. Nosso modo de pensamento mutilado conduz as ações mutilantes. A isso, combinam-se as limitações 1) do reducionismo (que reduz o conhecimento das unidades complexas ao dos elementos supostamente simples que as constituem); 2) do binarismo, que decompõe tudo em verdadeiro/falso, ou seja, o que existe é parcialmente verdadeiro ou parcialmente falso ou simultaneamente verdadeiro e falso; 3) da causalidade linear, que ignora os circuitos retroativos; 4) do maniqueísmo, que não enxerga senão oposição entre bem e mal24.


Parece muito claro que a reforma do conhecimento exige de todos nós, em especial dos professores, a reforma do pensamento. Há a necessidade da religação dos saberes entre si deixando de serem unidades estáticas como hoje ainda são nas escolas. Precisamos conceber o conhecimento na íntima relação dialógica entre todo e partes, entre global e local.

O conhecimento deve saber contextualizar, daí sua característica de complexidade. Deve admitir que em seu interior há contradições lógicas a serem enfrentadas como: “Ordem também implica desordem; a ciência esclarece e cega; a civilização contém barbárie; a razão pura é desrazão: razão e paixão precisam uma da outra; o Uno comporta sua multiplicidade, que lhe é inerente”25.

A reforma da educação pressupõe uma reaprendizagem do pensar. Talvez aí a importância dos professores buscarem cada vez mais o estudo e o entendimento de teorias e cada vez menos apropriarem-se de doutrinas. Teorias são sempre abertas permitindo serem contra argumentadas, permanecendo vivas na medida em que apresentam argumentações coerentes. Já doutrinas sempre se fecham contra argumentos que lhes são contrários buscando uma permanência imutável. Mais uma vez perguntamos: A formação de professores em cursos de licenciatura no tempo presente se ocupa mais do conhecimento de teorias ou de doutrinas?

Enfim, necessitamos superar a dificuldade de pensar o presente, pois, como afirma Morin estamos apenas percebendo um presente em sua superfície. Daí sofrermos de dois tipos de carência cognitiva:


As cegueiras de um modo de conhecimento que, compartimentando os saberes, fragmenta os problemas fundamentais e globais que demandam de um conhecimento transdisciplinar.


O ocidentalocentrismo, que nos instala no trono da racionalidade e nos dá a ilusão de possuir o universal.


23 Ibíd., p.355.

24 Ibíd., pp.183-184.

25 Ibíd., p.187.


Assim, não é apenas nossa ignorância; é também nosso conhecimento que nos cega26.

Mais uma vez reforçamos a importância de atrelarmos as discussões pedagógicas no interior das escolas a tentativa de mudança paradigmática, pois a história de mudanças de programas não tem nos levado a solucionar problemas educacionais.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Corporeidade, motricidade, complexidade, mais que simples palavras, são atributos balizadores para uma educação humana, a qual deve transformar atitudes dos professores e dos alunos frente ao ato educativo.

Elas exigem redimensionamento do conhecimento, ruptura com a maneira tradicional de se vivenciar o ensino escolar, coragem para batalharmos mais por mudanças paradigmáticas do que alterações programáticas.

Muitos profetas da impossibilidade podem argumentar que o aqui proposto é utopia não realizável em tempos de crise como a que vivemos no momento atual. Lembramos que isto pode ser verdadeiro se entendermos crise como algo apenas perigoso, sentido muito difundido na educação, No entanto, é necessário lembrar que grandes modificações ocorridas na história se deram em tempos de crise, mesmo porque ela é sempre uma oportunidade de mudanças.

Sejamos esperançosos, lembrando-nos mais uma vez de Morin:“A esperança foi ressuscitada no próprio coração da desesperança. A esperança não é sinônimo de ilusão. A verdadeira esperança sabe que não tem certeza, mas sabe que se pode traçar um caminho ao andar”27.

Despojemo-nos de nossos (pré)conceitos e sejamos (pró)ativos ousando lutar para (re)significar a educação, não na busca de verdades absolutas, mas de novas possibilidades conceituais em educação, em aprendizagem, em propostas pedagógicas, buscadas com rigor, radicalidade e de forma contextualizada, ação essa que certamente alterará nossa conduta enquanto professores.


26 Ibíd., p.19.

27 Ibíd., p.385.


Año 22, n° 79


Esta revista fue editada en formato digital y publicada en octubre de 2017, por el Fondo Editorial Serbiluz, Universidad del Zulia. Maracaibo-Venezuela


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