ARTÍCULOS

UTOPÍA Y PRAXIS LATINOAMERICANA. AÑO: 22, n°. 79 (OCTUBRE-DICIEMBRE), 2017, PP. 83-95 REVISTA INTERNACIONAL DE FILOSOFÍA Y TEORÍA SOCIAL

CESA-FCES-UNIVERSIDAD DEL ZULIA. MARACAIBO-VENEZUELA.


Narrativas das Mulheres do Congo como práticas de re’existências ecologistas e cotidianos escolares

Congo Women’s narratives as ecologista practices of resistence (and existence!) and everyday school Narrativas de las Mujeres del Congo como prácticas de re-existencias ecologistas y

cotidianos escolares Andreia TEIXEIRA RAMOS PPGE/UNISO/CAPES, Brasil.


RESUMO


O texto apresenta uma pesquisa em andamento que objetiva problematizar as narrativas das Mulheres do Congo como práticas de re’existências ecologistas e cotidianos escolares. A metodologia da pesquisa se aproxima das perspectivas ecologistas de educação e dos estudos com os cotidianos. Na produção de dados usamos diário de campo, conversas, cartas, narrativas e narrativas ficcionais. Capturamos narrativas das Mulheres do Congo e suas práticas de re’existências ecologistas, que emerge com as redes de conversações com esses sujeitos da história, potencializando dimensões políticas, éticas, libertárias e estéticas, entre processos e negociações, envolvendo as mulheres do congo e os habitantes dos cotidianos escolares.

Palavras-chave: Narrativas; Mulheres do Congo; Ecologistas; Pesquisa com os cotidianos escolares.


ABSTRACT


This text presents an ongoing research that aims to problematize the narratives of the congo women as practices of ecologic resistence (and existence) and daily school. The methodology of this research approaches the ecological perspectives of education and also approaches the studies with the everyday. In the production of data we used field diary, conversations, letters, narratives and fictional narratives. We capture

narratives of the Congo Women and their practices of ecological resistence (and existence), which emerges with the networks of conversations with these subjects of history, enhancing political, ethical, libertarian and aesthetic dimensions, between processes and negotiations, involving women of congo and inhabitants of school everyday.

Keywords: Narratives; Women of Congo; Ecologists; Research with school everyday.


RESUMEN


El texto presenta una investigación en desarrollo, la cual busca problematizar las narrativas de las Mujeres del Congo como prácticas de re-existencias ecologistas y cotidianos escolares. La metodología usada para la investigación se aproxima a las perspectivas ecologistas de educación y de los estudios con los cotidianos. Para la producción de datos usamos el diario de campo, conversaciones, cartas, narraciones y narrativas fictícias. Capturamos las narrativas de las Mujeres del Congo y sus prácticas de re-existencias ecologistas, que surgen con las redes de conversaciones con esos sujetos de la historia, potencializando dimensiones políticas, éticas, libertarias y estéticas, entre procesos y negociaciones, envolviendo a las Mujeres del Congo y los habitantes de los cotidianos escolares.

Palabras clave: Narrativas; Mujeres del Congo, Ecologistas, Investigación con los cotidianos escolares.


Recibido: 19-07-2017 ● Aceptado: 12-09-2017


PRIMEIROS SONS DOS TAMBORES E CASACAS DO CONGO


Sou muito orgulhosa, de ser neta, filha e irmã de congueira,

me sinto feliz de ser uma mulher congueira,

estou aqui para lutar com elas para o que der e vier, com a fé de Deus1.

(Mulher do Congo)


Com inspirações nos sons das casacas e tambores do Congo2 do Espírito Santo (ES), iniciamos a escrita deste texto, como primeiras travessias de uma pesquisa de Doutorado do Programa de Pós- Graduação em Educação (PPGE) da Universidade de Sorocaba (Uniso).

Este texto aposta nas narrativas das Mulheres do Congo do estado do ES, como práticas de re’existências ecologistas e cotidianos escolares. Essas narrativas constituem as travessias da pesquisa de modo político, libertário, ético, estético, pedagógico, epistemológico e metodológico, pautado na pedagogia freireana3 no campo da Educação, desencadeando algumas problematizações: de que modo pensar, as narrativas das Mulheres do Congo do ES, que vivem às margens4 e oprimidas5 na sociedade contemporânea, como práticas de re’existências ecologistas com os cotidianos escolares?

Assim, o objetivo da pesquisa é problematizar as narrativas das Mulheres do Congo como práticas de re’existências ecologistas e cotidianos escolares.

A metodologia do trabalho se aproxima das pesquisas com os cotidianos6, e das pesquisas e publicações do Grupo de Pesquisa Perspectiva Ecologista de Educação, coordenado pelo professor


  1. Usarei para compor o texto fragmentos das narrativas ou relatos das mulheres do Congo capturadas nas travessias da pesquisa de campo.

  2. Casacas e tambores são instrumento singulares das Bandas de Congo do Espírito Santo. Disponível em: http://www.ape.es.gov. br/espiritosanto_negro/historia_congo.htm. Acesso em 06 de junho de 2015. O Congo do Espírito Santo foi oficializado em 2014, como o primeiro patrimônio imaterial do estado em uma cerimônia realizada no Palácio Anchieta, em Vitória, ES.

  3. FREIRE, P (2009). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra, São Paulo.

  1. REIGOTA, M (2013). A contribuição política e pedagógica dos que vêm das margens. Teias. Rio de Janeiro: ano. 11, nº 21, jan/abr 2010. Disponível em: <http://periodicos.proped.pro.br/index.php/revistateias/article/viewFile/533/446. Acesso em: 31 jul. 2013.

  2. FREIRE, P (2014a). Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, São Paulo.

  1. ALVES, N (2010). “Sobre as razões das pesquisas nos/dos/com os cotidianos”, In: GARCIA, LR (Org.) Diálogos cotidianos. Petrópolis, RJ: DP et al, Rio de Janeiro: FAPERJ & FERRAÇO, CE (2003). “Eu, caçador de mim”, In: GARCIA, RL (Org.). Método: pesquisa com o cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, pp. 157-175.


    Marcos Antônio dos Santos Reigota7, na Universidade de Sorocaba (Uniso)8, criando desconstruções, encontros, desencontros, reencontros, um fio puxando o outro, acompanhando travessias, conexões de redes com a pesquisa.

    Pensamos a pesquisa com os cotidianos com a professora pesquisadora Nilda Alves9, que nos diz que juntar os termos, pluralizá-los, algumas vezes invertê-los, outras duplicá-los, foi a forma que conseguimos, até o presente, para mostrar como as dicotomias necessárias na invenção da ciência moderna têm se mostrado limitantes ao que precisamos criar para pesquisar nos/dos/com os cotidianos.

    A pesquisa com os cotidianos é um mergulho como diz Nilda Alves:


    Buscar entender, de maneiras diferentes do aprendido, as atividades dos cotidianos escolares ou dos cotidianos comuns, exige que esteja disposta a ver além daquilo que os outros já viram e muito mais: que seja capaz de mergulhar inteiramente em realidades buscando referências de sons, sendo capaz de engolir, sentido a variedade de gosto, caminhar tocando coisas e pessoas e me deixando tocar por elas, cheirando odores que as realidades colocam a cada ponto do caminho diário10.


    Continuamos nossa conversa sobre a aposta na metodologia das pesquisas com os cotidianos, pensando com Carlos Eduardo Ferraço que os caminhos da pesquisa são complexos, acidentais e plurais:


    Caminhos complexos, acidentais, plurais, multidimensionais, hierárquicos, fluidos, imprevisíveis, que se abrem e se deixam contaminar, permanentemente, pelas relações, pensamentos e imagens do mundo contemporâneo, enredando representações, significados e pessoas. Uma complexidade que não se esgota nunca e que, apesar de estar em todo lugar, não se deixa capturar. No máximo, ser vivida e com alguma dose de sorte, ser sentida11.


    As pesquisas com os cotidianos estão abertas aos imprevistos, não enquadrada e aprisionada em modelos, não existindo um só caminho a seguir, com as complexidades e multiplicidades de redes tecidas com os cotidianos como afirma Ferraço:


  2. REIGOTA, M (1998). Meio Ambiente e representação social. Editora Cortês, São Paulo: Editoria Cortês.; (1999a). Ecologia, elites e intelligenstsia na América Latina: um estudo de suas representações sociais. São Paulo: Annablume.; (1999b). Ecologistas. Santa Cruz do Sul: EDUNISC.; (1999c). Da etnografia às narrativas ficcionais da práxis ecologista: uma proposta metodológica. Revista de Estudos Universitários, Sorocaba, vol. 25, n°. 1, p. 36-60, jun.; (2011). A floresta e a escola: por uma educação ambiental pós-colonial. São Paulo: Cortez.; (2012). O que é educação ambiental. 2º ed. São Paulo: Brasiliense. (Coleção Primeiros Passos); (2016 a). Aspectos teóricos e políticos das narrativas: ensaio pautado em um projeto transnacional. In: CORDEIRO, R & KIND, L (Org). Narrativas, gênero e política. Curitiba, PR: CRV.; (2016b). “A ecosofia de Felix Guattari e suas conexões tropicais”, In: AMORIM, AC & ROMAGUERA, A (Org). Conexões: Deleuze e máquinas e devires e...,Rio de Janeiro: DP et al.

  3. BARCHI, R (2006). As pichações nas escolas: Uma análise sob a perspectiva da educação ambiental libertária. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade de Sorocaba, SP.; (2009). “Uma educação ambiental libertária”. Rev. Eletrônica Mestrado em Educação Ambiental. ISSN 1517-1256, vol. 22, janeiro a julho.; (2016). “Educação ambiental e (eco) governamentalidade”. Ciência e Educação. Bauru, vol. 22, n°. 3, pp. 635-650.; CATUNDA, M (2013). A, B, C, de encontros sonoros: Entre cotidianos da educação ambiental. Tese de doutorado. Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade de Sorocaba.; MACHADO, C (2014). Inspiração, conteúdo e leveza: Pina Bausch adentra o cotidiano escolar. 273f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade de Sorocaba, Sorocaba, São Paulo.; PROENÇA, E (2009). Cartografia dos corpos estranhos: narrativas ficcionais das homossexualidades no cotidiano escolar. 133f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade de Sorocaba, Sorocaba, São Paulo.; YANG, A (2015). “Práticas sociais e processos comunitários: narrativa de um universitário. Espacios Transnacionales, n°. 3, p. 170-181, nov/abr.

  4. ALVES, N (2010). Sobre as razões das pesquisas nos/dos/com os cotidianos. In: GARCIA, L. R. (Org.) Diálogos cotidianos.

    Petrópolis, RJ: DP ET Alii, FAPERG; Rio de Janeiro.

  5. ALVES, N (2008). “Decifrando o pergaminho: o cotidiano das escolas nas lógicas das redes cotidianas” In: OLIVEIRA De, IB & ALVES, N (Org.). Pesquisa no/do cotidiano das escolas: sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A. p.19.

11 FERRAÇO, CE (2003). Op. cit., p.103.


As redes tecidas em meio à articulação dos contextos culturais, políticos, sociais, econômicos, religiosos, familiares, vividos pelos sujeitos cotidianos, produzem diferentes saberesfazeres dependendo de necessidade e/ ou interesse pessoais e/ou locais, das histórias de vida, formações, valores e intenções. Com isso, os saberesfazeres que os sujeitos praticam nos cotidianos escolares não são definidos apenas institucionalmente, deacordocomasnormasdecorrentesdelógicahierárquicadefunçõese/ouformações12.


Continuando a tecer os fios das redes metodológicas pensamos nas perspectivas ecologistas de educação com Reigota13, e com inspirações freireanas14 apostamos e exercitamos o compromisso ético e estético, com atitude política de cidadania planetária, dialogando com as macro e micropolíticas que atravessam gestos, conversas, narrativas, cheiros, sons, afetos, amizades, tensões, conflitos, negociações, ideias, sentimentos, experienciais, tecidas com os cotidianos da vida.

Pensando com o professor Marcos Reigota 15, Ecologistas é uma tentativa de explorar a fórmula Guattariana esboçada em As três ecologias, que considera como questões ecológicas não somente o meio ambiente, mas também as relações sociais e a subjetividade.

Assim, apostamos numa escrita narrativa como Reigota16:


Muito discretamente, comecei a fazer referência e buscar argumentos em autores e pensadores alheios ao mundo científico, sendo que, mais recentemente, passei a incorporar ao meu trabalho, de forma mais explicita e com maior ênfase as contribuições artísticas e literárias. O aspecto literário-acadêmico, ou ainda para citar Guattari, o paradigma estético é uma das características básicas de Ecologistas, além disso, é uma tentativa de explorar as sugestões encontradas na literatura especializada em ciências humanas, dentro dos referenciais da pós-modernidade.


Nesse sentido, pensamos a perspectiva ecológica também inspirada nos escritos de Paulo Freire mencionados no livro Pedagogia da indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos:


A transgressão da ética nos adverte de como urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos mais fundamentais como do respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida dos rios e das florestas. Não creio na amorosidade entre homens e mulheres, entre os seres humanos, se não nos tornarmos capazes de amar o mundo. A ecologia ganha uma importância fundamental neste fim de século. Ela tem de estar presente em qualquer prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador. Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humaniza-lo, torna-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma o mundo, sem ela tampouco a sociedade muda. Se nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça...não temos outro caminho senão viver plenamente nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que fizemos com o fazemos. Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros17.


  1. FERRAÇO, CE (2007). “Pesquisa com o cotidiano”. Educ. Soc. [online]. vol.28, n°.98, pp.73-95. ISSN 0101-7330. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302007000100005. Acesso em 24/11/2016. p.19.

  2. REIGOTA, M (1999b). Op. cit.

14 FREIRE, P (2009). Op. cit.; FREIRE; P (2014a). Op. cit,; e, (2014b). Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos: São Paulo: Paz e Terra.

15 REIGOTA, M (1999). Op. cit., p.15.

16 Ibíd., pp.15-16.

  1. FREIRE; P (2014b). Op. cit.


    Nesse sentido ético, para a produção de dados da pesquisa, usamos registros em diário de campo, fotografias, cartas, conversas, narrativas18 e narrativas ficcionais19, produzidas nos encontros e experiências que atravessam as vidas das Mulheres do Congo, apostando em diálogos amorosos20 com os sujeitos, exercitando a conversa e o conversar, como procedimento metodológico e de descolonização dos modos de pensar a produção de dados da pesquisa de campo. “Não é possível a pronuncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que o infunda. Sendo o fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo21. O amor é compromisso com os homens22” e com as mulheres.

    Como procedimento metodológico, usamos também narrativas ficcionais, como compromisso ético e pertinência temática para elaboração de cenários, identidades e de personagens ecologistas23.


    Com as narrativas ficcionais pretendo trazer ao espaço público, principalmente aos locais de debate, de formação profissional e política e de elaboração de alternativas que possibilitem a concretização de um estilo mais ecológico, pacífico, justo e prazeroso, momentos privados, de ideias, experiências e sentimentos que estão caracterizando a época em que vivemos24.


    São sujeitos da história25 da pesquisa, as Mulheres do Congo do ES, em grande maioria, pretas, pardas, negras e indígenas, que re’existem e escapam aos modos colonizadores e opressores que subjugam esses grupos, suas estéticas e modos de viver com o mundo. São também sujeitos da pesquisa, os habitantes que praticam os cotidianos escolares das regiões onde existem Bandas de Congo.

    Assim, ressalto que a pesquisa se afasta da pretensão de aprofundamento teórico nas relações étnico-raciais, entretanto é importante destacar, que o campo problemático da pesquisa se ampara na Lei 10.639/03 26, que alterou a Lei de Diretrizes e Base nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, tornando obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira no cotidiano da educação básica. Em 2008, a Lei 11.645 de 10 de março 27, incluiu a obrigatoriedade da História e Cultura Indígena.


    OS COTIDIANOS DA PESQUISA

    A pesquisa pousa no Congo do ES, que foi, recentemente, oficializado como o primeiro Patrimônio Imaterial do Estado. O Congo é uma prática cultural secular de resistência. O livro Negros do Espírito Santo de 1994, do professor da Universidade Federal do Espírito Santo, pesquisador, ativista e intelectual negro, Cleber Maciel28, falecido em 1993, é reeditado, ampliado, ilustrado e organizado pelo também professor da Ufes, Osvaldo Martins de Oliveira, trazendo importantes questões relacionadas ao Congo. A relação do Congo, como herança da memória africana, chegou aos tempos atuais, graças ao esforço dos


  2. REIGOTA, M; RIBEIRO, A & POSSAS, R (2008). Trajetórias e narrativas através da educação ambiental. Rio de Janeiro. DP&A e, REIGOTA, M & PRADO, BHS (2003). Educação ambiental: Utopia e práxis. São Paulo: Cortez.

  3. REIGOTA, M (1999). Op. cit.

  4. FREIRE, P. (2014a). Op. cit.

21 Ibíd., p. 110.

  1. Ibídem.

  2. REIGOTA, M (1999). Op. cit.

24 Ibíd., p.86.

25 FREIRE, P. (2014a). Op. cit.

  1. BRASIL. Lei 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9. 394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília

  2. BRASIL. Lei 11.645/08 de 10 de março de 2008. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília

  3. MACIEL, C (2016). Negros no Espírito Santo. OLIVEIRA De, OM (Org). 2ª ed. – Vitória, (ES): Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.


antepassados em conseguir, mesmo sob o domínio e o medo impostos pelos colonizadores, preservar sua dignidade cultural29:


Considerando a relação entre a cultura dos colonizadores e dominadores e as sobrevivências culturais dos escravos, pode-se dizer que, na sociedade colonial, eram aceitos os costumes tradicionais africanos que podiam se adaptar à exploração escravista. Incluíam-se aí aqueles que, reinterpretados, recebiam novo significado apesar das perseguições, incompreensões, intolerâncias e destruição da maioria, algumas práticas culturais africanas sobreviveram e chegaram até os dias atuais, mesmo que modificadas, sincretizadas e/ou fundidas em outras, sejam também africanas ou dos senhores brancos 30.


Assim, o Congo está presente em todo o Estado, em grande número de regiões da Grande Vitória e municípios do Norte. De acordo com Maciel31 as Bandas de Congos são grupos de pessoas que utilizam instrumentos sonoros muito simples, feitos de madeira oca, barris, taquaras, pele de cabra ou de boi, latas ou outros materiais. As bandas de Congos usam tambores, bumbos, cuícas, chocalhos, ferrinhos ou triângulos de ferro e pandeiros:


Ao som desses instrumentos, as vozes, finas e grossas, claras ou fanhosas, de homem e de mulher cantam antigas ou novas músicas, nas quais são feitas referências a fatos do passado, como a escravidão, a guerra do Paraguai, os santos da devoção popular, os Orixás relacionados aos elementos da natureza, como o mar, as estrelas, o vento, a chuva, ou ao ser humano, cobrindo desde amor e morte até fatos políticos e sociais. Essas músicas podem ser alegres ou tristes, mas quase sempre são cantadas de forma semelhante, onde se destaca o fato de alongarem-se as sílabas finais dos versos32.


Maciel33 destaca entre os instrumentos musicais utilizados no Congo, o reco-reco, também chamado de casaca, casaco, cassaca, cassaco ou canzaco. A casaca é um instrumento singular do Congo capixaba.


É um cilindro de pau, de 50 a 70 centímetros de comprimento, escavado numa das faces, em que se prega uma lasca de bambu ou taquara com talhos transversais, sobre os quais se atrita uma vareta. Na extremidade superior desse reco-reco é esculpida, na própria madeira, uma cabeça grotesca, de pescoço comprido, por onde é segurado o instrumento. No lugar dos olhos, representando-os, põem-se, por vezes, búzios, sementes coloridas, pequenas esferas ou partículas de chumbo. São pintados olhos, bocas e faces, ou todo o reco-reco, com tinta comum ou de frutas do mato. Alguns trazem inscrições ou letras indicativas de frases ou do nome do seu dono34.


Cleber Maciel35 cita os tambores como instrumento do Congo que são tocados com as mãos, e, enquanto o tocador caminha, eles ficam pendurados a tiracolo e quando a banda de Congo para em algum lugar para tocar, geralmente os batedores sentam-se sobre o tambor, como que o cavalgando. Participam desses momentos pessoas de todas as idades.


29 Ibíd., p.147.

  1. Ibídem.

  2. Ibidem.

32 Ibíd., p. 151.

33 Ibídem.

  1. Ibídem.

  2. Ibídem.


Em relação a participação das mulheres no Congo, Maciel36 narra em seus escritos que elas, separadas em ala específica, sustentam os cantos, enquanto os homens sustentam o ritmo. As pessoas das bandas de Congo participam das coreografias comandadas pelo organizador, às vezes chamado de Capitão. Uma ou mais mulheres vão à frente conduzindo uma ou mais bandeiras que traduzem a banda e o seu Santo Protetor.

Com as travessias da pesquisa chego nas mulheres do Congo. A pesquisa pousa nas narrativas das mulheres do Congo, apostando nessas narrativas, como práticas de re’existências ecologistas, que podem contribuir para descolonizar os pensamentos e aproximar o Congo dos cotidianos escolares.

Mulheres do Congo que são dançarinas, cantadeiras, rainhas, princesas, tocam casacas, tambores, chocalhos, levam as bandeiras e estandartes das bandas de Congo. Mulheres do Congo que trabalham, estudam, são aposentadas e cuidam de suas famílias. Mulheres do Congo que são crianças, jovens, adolescentes, adultas e idosas. Mulheres do Congo de todas as idades. Mulheres do Congo que habitam as terras capixabas e encantam os cotidianos com suas toadas e cantigas.

Desse modo, ressalto que o desejo de se aproximar das narrativas das mulheres do Congo, parte da minha responsabilidade social como pesquisadora37, exercitando o diálogo com os pensamentos em relações às questões de gênero e dos movimentos de pensar o feminismo da senzala, um feminismo periférico, feminismo das oprimidas, das mulheres que vem das margens, feminismos das mulheres pretas, pardas, indígenas, negras. Feminismo que se afasta da casa grande, que tenta furar os modos colonizadores e dominadores do patriarcado capitalista, racista, machista, moralista, conservador, elitista, branco, eurocêntrico, imperialista...

Andam me acompanhando nessas travessias de pensar esse texto, três mulheres negras estadunidenses, Nina Simone38, com suas potentes letras e canções, bell hooks39, escritora, professora e intelectual insurgente e inquieta com sua energia inesgotável, e a brilhante acadêmica Angela Davis40, professora de Filosofia e militante dos Panteras Negras. Além dessas mulheres do Norte, estou me aproximando das mulheres da América do sul.

No Brasil, dos escritos de Carolina Maria de Jesus, com seu livro Quarto de despejo – Diário de uma favelada41. Carolina foi catadora de papel e viveu na favela do Canindé, em São Paulo. Lélia Gonzalez42, intelectual, feminista, negra, antropóloga, política, professora e militante; e, Sueli Carneiro43 filósofa, educadora, militante feminista e antirracista. Acompanham-me também, os sons energizantes de Elza Soares em seu disco A Mulher do fim do mundo44 e Conceição Evaristo45 com sua literatura como arte de escrevivência.


36 Ibíd., pp.151-152.

  1. Para ver mais sobre esse aspecto, consultar GARCIA. R (Org) (2011). Para quem pesquisamos- Para quem escrevemos: o impasse dos intelectuais. São Paulo: Ed. Cortez.

  2. SIMONE, N (1968). Ain't Got No, I Got Life. Álbum: Nuff Said. RCA.

  3. HOOKS, B (2013). Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.

  1. DAVIS, A (2016). Mulheres, raça e classe. Boitempo, São Paulo.

  2. JESUS De, CM (2014). Quarto de despejo: diário de uma favelada. Ed. Ática, São Paulo.

  3. Sobre o feminismo GONZÄLEZ, L (2013). “Blogueiras negras”, Disponível em: http://blogueirasnegras.org/2013/07/10/lelia- gonzalez-19-anos/. Acesso em 21 de junho de 2017.

  4. CARNEIRO, S (2017). “Raça, estrutura e classe no Brasil”. Entrevista. [9 de maio, 2017]. São Paulo: Revista Cult. Entrevista concedida a Bianca Santana.

  5. SOARES, E (2015). A mulher do fim do mundo. Álbum: A mulher do fim do mundo.

  6. EVARISTO, C (2016a). Insubmissas lágrimas de mulheres. Rio de Janeiro, Malê.; Olhos d’água. (2016b). Rio de Janeiro: Pallas.; Ponciá Vicêncio. (2017a). Rio de Janeiro: Pallas.; Becos da Memória. (2017b). Rio de Janeiro: Pallas.; Poemas da recordação e outros movimentos. (2017c). Rio de Janeiro: Pallas.; Histórias de leves enganos e parecenças. (2017d). Rio de Janeiro: Pallas.


    No Espírito Santo, a literatura de Suely Bispo46 e Elisa Lucinda47 ambas capixabas e atrizes, pesquisadoras e poetizas. E as protagonistas da pesquisa, as Mulheres do Congo do ES. Mulheres que re’existem, com devoção, fé, memórias e contribuem de modo político, ético, estético com seus cantos e encantos entoados, como práticas culturais de re’existência espalhadas pelas terras capixabas.


    NARRATIVAS DAS MULHERES DO CONGO


    Mulheres do congo são guerreiras, unidas, lutadoras e muito fortes.

    Mulher do Congo


    As Mulheres do Congo são unidas, lutadoras e muito fortes, essa narrativa nos lembra Paulo Freire48, ao afirmar que, quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Os oprimidos49, os que vem das margens50, no nosso caso, são as Mulheres do Congo oprimidas, subalternas, mas também guerreiras...


    Para compor o texto compartilho alguns relatos das Mulheres guerreiras do Congo.... Tenho orgulho de ser uma mulher do Congo, sou nascida e criada no Congo.

    Temos que lutar pela cultura do Congo, para nunca deixar morrer, é uma cultura forte e precisa ser valorizada.


    É um divertimento ser mulher do Congo. Quando a banda (de Congo) saí para se apresentar, a gente conhecer lugares diferentes. A gente viaja.


    Eu praticamente nasci no meio do Congo. Meus pais são do Congo, aí eu fui crescendo vendo aquela cultura e fui me interessando pela cultura do Congo. O Congo é passado de pai para filho.


    Vivo no Congo desde a época do meu pai, agora a família toda é da banda, meus irmãos, minhas irmãs, netos, filhos. Se saímos a banda acaba. A fé no Congo é ótima.


    É com muito orgulho que sou a primeira mulher Mestre de Congo51.


    Os pequenos fios das narrativas das Mulheres do Congo traduzem suas experiências, sentimentos que possibilita a descolonização e desconstrução dos pensamentos de modo ético, estético, político e com esperança, como Freire nos ensinou não é, porém, a esperança, um cruzar de braços e esperar. Movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero52.


  7. BISPO, S (2008). Desnudalmas. Editora GSA. Vitória, Espírito Santo.

  8. LUCINDA, E (2016). Vozes guardadas. Editora: Record. Rio de Janeiro.

  9. FREIRE. P (2014a). Op. cit.

  10. Ibídem.

  11. REIGOTA, M (2013). Art. cit.

  12. Ressalto que esses relatos foram capturados do filme Mulheres do Congo de Sandy Vasconcellos. VASCONCELLOS, S (2014). Mulheres do Congo. Cariacica, Espírito Santo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VnZVsXfG3AA. Acesso em 15 de agosto de 2016.

  13. FREIRE, P (2014a). Op., cit.


    No desenrolar das conversas destaco outros fios das narrativas das Mulheres do Congo com seus modos de habitar e praticar os cotidianos escolares. Ressalto que as narrativas abaixo citadas foram capturadas do banco de dados da pesquisadora.


    Eu já fui convidada para ministrar oficinas de máscaras de Congo em uma escola particular, trabalhei lá como voluntária de um projeto.


    Quando tem apresentação na escola, a gente vai junto com a banda, é o mestre que leva a gente.


    Já trabalhei em uma escola como servente, mas as pessoas de lá nem sabiam que eu era do Congo.


    Fui merendeira de uma creche, uma vez a professora descobriu que eu era do Congo e me disse que ia fazer um dever com as crianças sobre isso, mas eu não participei.


    As narrativas das mulheres do Congo nos fazem pensar e problematizar, que saberes poderíamos aprender com os oprimidos com aqueles que vêm das margens?53. Como poderíamos produzir narrativas descolonizadas nos cotidianos escolares com as Mulheres do Congo? Assim, é preciso lutar para descolonizar nossos pensamentos, como nos ensinou Freire54, que acreditava nos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam.

    Usamos também como procedimento metodológico, as narrativas ficcionais55 como compromisso ético e pertinência temática para elaboração de cenários, identidades e de personagens ecologistas56.

    De acordo com Reigota “as narrativas estão relacionadas não com momentos isolados ou atos particulares, mas com a sequência de atos e eventos. Nesse sentido, as narrativas se caracterizam pela memória disponível sobre os eventos e as suas repercussões, portanto estão próximas da ficção”57.

    Assim concordamos com Reigota que diz:


    As diferenças e proximidades entre a narrativa e a ficção delimitam formas de expressão do ser humano, presentes nas conversas do cotidiano, em cartas, reportagens, textos religiosos, literários, biográficos, autobiográficos e científicos, na dança, artes plásticas, música, cinema, teatro etc58.


    Reiterando a citação acima o autor comenta que:

    As narrativas ficcionais, quando apresentadas nos espaços acadêmicos e literários, correm duplo risco: de não serem consideradas como material de validade científica nem apresentarem valor literário. No entanto a elaboração das narrativas ficcionais estão relacionadas com outros dois critérios menos científicos e literários: o compromisso ético e a pertinência temática59.


  14. REIGOTA, M (2013). Op. cit.

  15. FREIRE, P. (2014a). Op. cit.

  16. REIGOTA, M. (1999a). Op. cit.; REIGOTA; M (2016a). Op. cit., Curitiba, PR: CRV (2016b). Op. cit., REIGOTA, M (1999b). Op. cit.,

    PROENÇA, E. (2009). Op. cit.; YANG, A. (2015). Op. cit.

  17. REIGOTA, M (1999b). Op. cit., p.87. 57 Ibíd., p.79.

58 Ibíd., p.81.

59 Ibíd., p.84.


Assim, elaboramos com a pesquisa, narrativas ficcionais, e, nesse momento, apresentaremos Maria, inspirada na composição de Milton Nascimento e Fernando Brant60, Maria, Maria, é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta. Uma mulher que merece, viver e amar, como outra qualquer do planeta...

Mulheres do Congo em Cena. Para nos acompanhar neste texto, gostaria de apresentar Maria.


MUITO PRAZER, MARIA!


...Maria, Maria, é o som, é a cor, é o suor, é a dose mais forte e lenta...


Apresento Maria, mulher negra de 40 anos, filha de mãe com traços indígenas, pai negro e de família singular. Sua mãe cuidou praticamente sozinha das três filhas e de um filho, pois o pouco que o pai semianalfabeto ganhava como pedreiro ou como encanador industrial, era absorvido pelos bares e na vida mundana. Maria cresceu brincando no chão entre formigas e com sua Vovó Dindinha, gostava de se banhar no Rio Manguaraí em Santa Leopoldina, sentir as brisas da ponte Rio-Niterói no arrebol dos passarinhos, e beber chás de ervas compartilhados com afetos familiares. Maria faz de tudo um pouco, trabalhou como faxineira, servente, diarista, cozinheira, merendeira, garçonete, manicure.... Atualmente trabalha como manicure e conhece bem os salões de beleza da cidade. Ela também atende clientes à domicílio, e, nas horas de folga atende na sua própria casa. Maria é neta de mestre de congo e desde menina, participa do Carnaval de congo de máscaras, em Cariacica, junto com toda família e amigos.

Nos domingos Maria passa o dia cuidando da casa e da família, apesar do cansaço da semana. Lava a roupa, arruma a casa e faz aquele carinhoso almoço para saborear com seus filhos. O cardápio de domingo: arroz, feijão, galinha ensopada com batatas, salada de alface com tomates e a banana frita que não pode faltar. Maria grita: vem almoçar crianças, a comida está pronta. As crianças saboreiam a culinária afetuosa de Maria. Quando sobra um tempinho Maria prepara para a tarde de domingo, canjica ou mingau de tapioca doce para finalizar o fim de semana e começar a segunda-feira. As crianças ficam no quintal brincando...aguardando o almoço ficar pronto...só sentindo os cheiros e escutando os barulhos das panelas ...


MARIA, MULHER DO CONGO, EM DIFERENTES ESPAçOS DE CONVIVêCIAS....

...De uma gente que rí, quando deve chorar

e não vive, apenas aguenta...


Maria juntou dinheiro para participar de uma excursão à uma cachoeira em Santa Leopoldina. No centro da cidade o ônibus parou e Maria avistou um banner com o rosto de uma mulher negra, também de nome Maria. As faces de Maria era o nome da exposição, dedicada a essa outra Maria, mulher coveira, mestra de caxambu, parteira, benzedeira, divorciada e criou seus filhos sem a ajuda do pai das crianças. Maria se reconheceu nas faces e histórias de vida dessa outra Maria.

Maria continua a participar da banda de congo junto com os familiares e amigos, acompanhando a banda nas apresentações de congo. Foi assim que Maria conheceu a Universidade Federal do Espírito Santo, ficando encantada com o lugar, que até então, só ouvia falar pela televisão. Na volta para casa


60 BRANT, F & NASCIMENTO, M (2004). Maria Maria. Álbum: Maria Maria e o último Trem.


comentou com uma prima do congo, engraçado, quase não vi negro naquele lugar, porque será? Um monte de gente branca...


MARIA, MULHER DO CONGO E COTIDIANOS ESCOLARES...

...Mas é preciso ter força,

é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre...


Maria tem dois filhos e uma filha de gestação de pais diferentes. O de 9 anos está no 5º ano na escola municipal local, o outro de16 anos está na escola estadual de ensino médio, e a pequena menina de 4 anos estuda na escola municipal de educação infantil do bairro. A filha participa da banda de congo mirim da escola. A menina é dançarina. Dança de tudo, funk, arrocha e os hits do momento. O filho do meio também participa da banda de congo da escola, e o filho mais velho não gosta de congo por quê tem vergonha de dizer que é neto de congueiro, e por quê alguns colegas da escola acham que congo é macumba... Coisa de macumbeiro....

Maria tenta acompanhar as turbulências dos cotidianos escolares dos filhos e da filha. .... Quem traz no corpo a marca, Maria, Maria, mistura a dor e a alegria... Maria mulher do Congo com suas geografias agitadas, re’existe com dor e alegria as opressões e indiferenças cotidianas.

Na cena de Maria com o cotidiano escolar, temos a oportunidade de problematizar a intolerância em relação a cultura de matriz africana que, apesar da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira no cotidiano da educação básica e da Lei 11.645/2008 com a obrigatoriedade da História e Cultura Indígena, o preconceito, discriminação e racismo continuam habitando os cotidianos escolares. É comum ouvirmos que Congo é coisa de macumba.

Compartilho fios das conversas tecidas com os sujeitos da história que habitam os cotidianos escolares e participam de oficinas de Congo ministrada por um Mestre de Congo, por uma Mestra de Congo e um artesão de Congo nos cotidianos de uma escola de educação infantil:


Para acontecer as oficinas de congo na escola, solicitamos autorização dos pais das crianças. As crianças que os pais não autorizaram a participação, pedimos que eles expliquem para seus filhos o porquê da não participação na atividade. Essas crianças no horário da oficina ficam em outra sala fazendo atividades.


Só podemos cantar músicas que falam da natureza, da escola, coisas de crianças. Não podemos citar nenhum santo ou santa nas toadas, por que muitos pais são evangélicos.


Gosto muito dessa questão da cultura, sei que o congo tem origem no candomblé que veio lá da cultura africana. Respeito, mas também não deixaria meu filho participar das oficinas, sou evangélica. Mas, tenho muito interesse por essas coisas...


Nós pedimos ao mestre que ensinem músicas de crianças, não pode falar de santa. Deixa a santa para lá...


A partir dessas narrativas encontramos nas brechas, entre o dizer e o fazer, as narrativas das Mulheres do Congo como práticas de re’existências ecologistas, e os desconfortos e ruídos provocados com a presença do Congo nos cotidianos escolares, percebendo micro-diferenças e micro-resistências com as práticas do Congo ou de outra expressão cultural africana que atravessam os cotidianos escolares.

Para problematizar essas narrativas recorremos mais uma vez aos escritos do professor Cleber Maciel que afirma que parece que:


Os estudiosos sempre estiveram mal informados sobre as práticas culturais e sobretudo acerca das religiões de tempos atrás. Poucos foram os centros irradiadores de cultos que persistiram até os dias atuais, pois a escravidão não permitia. Houve assim uma proliferação caótica de cultos, ou fragmentos de cultos, que nasciam e logo desapareciam ou então eram substituídos por outros, à medida que chegavam novos grupos africanos61.


Maciel62 nos orienta ainda, que no Brasil, em termos religiosos, as práticas dos negros sempre foram vistas pelos racistas mais como feitiçarias e magias do que como religião, que no entendimento dos colonizadores correspondia apenas as suas próprias práticas, tidas como verdadeiras, para a realização do bem e salvação das almas.

Assim, Maciel esclarece que a palavra Macumba significa tambor, do tipo atabaque. Depois, passou a indicar também os grupos de africanos que se reuniam para conversar, dançar ou cantar, geralmente sob uma árvore e, na maioria das vezes, acompanhados desse tipo de tambor:


Durante a escravidão, os senhores, além de não entenderem as culturas africanas, também as desprezavam e, portanto, não conseguiam perceber diferenças entre as várias manifestações dos escravos, já que em todas elas havia cantos, danças e toques de tambores específicos que podiam significar alegria ou tristeza, comemoração ou protesto, culto religioso ou festa profana. Dessa forma, para os senhores, todas as reuniões de negros que continham danças, cantos e atabaques passaram a ser chamados de Macumba, Pagode, Samba ou Batuque. O uso da palavra Macumba espalhou-se pelo Rio de Janeiro como sinônimo das práticas religiosas dos negros porque eram as mais comuns e constantemente percebidas. Finalmente, os próprios descendentes dos africanos também passaram a identificar as religiões afro- brasileiras como Macumba e seus praticantes como macumbeiros. Entretanto, ao mesmo tempo em que a Macumba se torna popular, a igreja católica promovia uma grande perseguição, dizendo que era feitiçaria e “coisa do diabo”. Frente a isso e às perseguições dos policiais e brancos racistas, poucas eram as pessoas que aceitavam ser chamadas de macumbeiras e assumiam que eram seguidoras de religiões de origem africana ou indígena, preferindo identificar-se como católicas, embora continuassem praticando a Macumba escondidamente. Hoje em dia, com as conquistas do cidadão em defesa da liberdade religiosa, muitas pessoas já não têm receio de serem identificadas como macumbeiras, porque ninguém pode ser discriminado por causa da sua religião. Do Rio de Janeiro, a palavra espalhou-se pelo Brasil. Por isso, algumas pessoas chamam a Umbanda brasileira, a Cabula capixaba, o Candomblé baiano, o Xangô nordestino, o Tambor de Mina nortista e outras religiões afro indígenas-espíritas do Brasil de Macumba63.


Nesse sentido, de acordo com os estudos de Maciel64 pessoas ignorantes ou racistas, querendo desprezar a herança cultural dos africanos, chamam o Congo de Macumba, dando conotação pejorativa também às práticas culturais não especificamente religiosas, como os grupos das bandas de Congo.

E essa conotação pejorativa em relação ao Congo atravessa os cotidianos escolares, como um discurso oficial e hegemônico. Assim, com as travessias da pesquisa acompanhamos, até o momento, os movimentos de como o Congo chega aos cotidianos escolares, citando alguns exemplos: em comemoração ao Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, por meio de projetos sazonais via Secretarias de Cultura, Educação ou Meio Ambiente, com projetos pontuais de educação ambiental, financiados por grandes empresas multinacionais com foco na responsabilidade social, e, por projetos


61 MACIEL, C (2016). Op. cit., p.120.

62 Ibíd., p.122.

63 Ibíd., pp.134-135.

64 Ibíd., p. 136.


que captaram recursos das leis municipais de incentivo à cultura para realização de oficinas de Congo por período determinado.

Lembrando que mesmo quando o Congo está na escola, é possível perceber nos pequenos gestos, nos corpos, nas sutis narrativas de alguns habitantes dos cotidianos escolares, olhares de diminuição e o desejo de distanciamento em relação ao contato com essa prática cultural de resistência. Assim, é preciso continuar resistindo e trabalhando para diminuir os modos de discriminação que habitam os cotidianos escolares e da vida.

Maria fica por aqui, mas permanece e continua sempre por aí, re’existindo... sem temer. E as narrativas das Mulheres do Congo continuam movimentando, descontruindo, ventilando e respirando pensamentos. Narrativas que nos fazem exercitar e praticar a pesquisa com os cotidianos, com olhares atentos, sentindo cheiros e mergulhando nos gestos.

As narrativas das Mulheresdo Congodo ESseconstituemcomopráticasdere’existênciasecologistas, como re’invenção de si e de mundos, que emergem entre conflitos e coletividades com as redes de conversações, atravessadas por territórios, fluxos, tensões, negociações, conversas com os habitantes dos cotidianos escolares. E as conversas com as Mulheres do Congo não param. Maria não para.

Vamos conversando.... As narrativas das Mulheres do Congo do ES como práticas de re’existências ecologistas e cotidianos escolares, potencializam experiências e a criação de espaços de convivências, dialogando com diferentes políticas de narratividade e epistemológicas, capturadas com narrativas, inundadas por cheiros, sabores, risos, ritmos, saberes, poesias, sons, afetos, sentimentos que compõem as redes de conversações com os cotidianos da pesquisa.

Assim, as conversas continuam com as Mulheres do Congo: Maria, Madalena, Aparecida, Penha, Conceição e Jurema...inundadas com as palavras de uma canção que anda me acompanhando, (...) Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre. Quem traz na pele essa marca, possui a estranha mania, de ter fé na vida...


Año 22, n° 79


Esta revista fue editada en formato digital y publicada en octubre de 2017, por el Fondo Editorial Serbiluz, Universidad del Zulia. Maracaibo-Venezuela


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