Volumen 33 Nº 1 (enero/marzo) 2024, pp.146-163

ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44

DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.10664071

Extrativismo: dilemas em uma Reserva Extrativista amazônica, Brasil

Raimundo Valdan Pereira Lopes*, Francisco Leonardo Tejerina Garro**

y Jandecy Cabral Leite ***

Resumo

Apesar da importância do extrativismo tradicional como vetor de desenvolvimento para a Amazônia no final do século XX, atualmente este tem sido associado a uma economia de subsistência. Este artigo objetivou analisar a correlação entre atividade extrativista e bem-estar social na Reserva Extrativista (Resex) Estadual de Canutama no Estado do Amazonas, na região Amazônica. Para tal, foram levantadas informações através de visitas de campo ao escritório local da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amazonas, no município de Canutama (AM) e em bases de dados especializadas, entre 2021 e 2022. A análise evidenciou que a atividade extrativista na Resex é pautada principalmente na produção e comercialização de castanha-do-Brasil (B. excelsa Humb. & Bonpl.), peixe (fresco e seco), açaí (E. oleracea), além de produtos agrícolas (farinha de mandioca (M. esculenta Crantz) e melancia (C. lanatus)). Esses produtos representaram 80.70% (R$ 13.862.271,00) das vendas dos 50 produtos comercializados entre 2015 e 2021. A concentração econômica em alguns poucos produtos, a variação na produção e na comercialização e a ausência de políticas públicas para este setor tem fragilizado essa atividade na Resex. Limitando a capacidade desta atividade de promover bem-estar ás famílias, o qual é agravado pela ausência e baixa qualidade de políticas públicas de desenvolvimento social. Havendo assim a necessidade desta atividade ser compreendida a partir de um debate mais amplo da política ambiental na Resex.

Palavras-chave: Empoderamento econômico; Bem-estar social; Políticas públicas; Sustentabilidade

*Universidade Evangélica de Goiás (UniEVANGÉLICA). . Anápolis/ Universidade Federal do Amazonas. Manaus, Brasil. E-Mail: valdan@ufam.edu.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2741-417X

**Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás). Brasil.

E-Mail: francisco.garro@docente.unievangelica.edu.br

ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5159-8108

***Instituto de Tecnologia e Educação Galileo da Amazônia (ITEGAM). Manaus, Brasil

E-Mail: jandecy.cabral@itegam.org.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1337-3549

Recibido: 28/06/2023 Aceptado 09/12/2033

Extractivism: dilemmas in an Amazonian Extractive Reserve, Brazil

Abstract

Despite the importance of traditional extractivism as a vector of development for the Amazon in the late twentieth century, it has currently been associated with a subsistence economy. This article aimed to analyze the correlation between extractive activity and social welfare in the Canutama State Extractive Reserve (Resex) in the State of Amazonas, in the Amazon region. For this, information was collected through field visits to the local office of the Secretary of Environment of the State of Amazonas, in the municipality of Canutama (AM) and in specialized databases, between 2021 and 2022. The analysis showed that the extractive activity in Resex is mainly based on the production and marketing of Brazil nuts (B. excelsa Humb. & Bonpl.), fish (fresh and dried), açaí (E. oleracea), as well as agricultural products (cassava flour (M. esculenta Crantz) and watermelon (C. lanatus)). These products represented 80.70% (U$D 2,858,200.20) of the sales of the 50 products marketed between 2015 and 2021. The economic concentration in a few products, the variation in production and commercialization, and the absence of public policies for this sector has weakened this economy in the Resex. Limiting the ability of this activity to promote the well-being of families, which is aggravated by the absence and low quality of public policies for social development. Thus, this activity needs to be understood within a broader debate of environmental policy in the Resex.

Keywords: Economic Empowerment; Social Well-Being; Public Policies; Sustainability

Introdução

Os produtos florestais são parte integrante dos meios de subsistência em áreas rurais, e são fundamentais para as tentativas de reconciliar desenvolvimento econômico e conservação florestal nos trópicos das planícies (Ubiali; Alexiades, 2022). Estes produtos são a base da subsistência de populações amazônicas, incluindo os Caboclos (indígenas e de raça mista (europeus, africanos, indígenas) ancestralidade) e os colonos recentes que fazem uso extensivo deles (Camilotti et al., 2020). O significado social desses recursos chega a ser superior ao econômico (Allegretti,1994). Do mesmo modo, a conservação destes recursos por estas populações, significa sua própria sobrevivência e reprodução econômica e social (Diegues, 2008).

Em meados de 1990 o extrativismo ganha relevância política na problemática ambiental, visto como uma alternativa viável ao desenvolvimento da Amazônia, por incorporar nesse desenvolvimento questões como o combate à pobreza, inclusão social e valorização cultural (Sousa, 2018). Capaz de dirimir os efeitos negativos acarretados pelos grandes empreendimentos na região, a partir da década de 1970, como os projetos de colonização, abertura de rodovias, incentivo a atividade da agropecuária, entre outros (Cardoso, 2009). Servindo de plano de fundo para a instituição de Reservas Extrativista (Resex) na Amazônia brasileira (Allegretti, 1994), a partir da qual o extrativismo passou a ser institucionalizado (Camargo; Gomes, 2018).

A instituição de Resex nessa região ocorre sobre o dúbio objetivo de dirimir conflitos territoriais e promover o desenvolvimento sustentável. Revelando-se um conceito inovador em que pela primeira vez a legislação brasileira institucionaliza bens comuns (extrativismo), garante o direito fundiário e o modo de produção tradicional das populações locais, reforça a importância destas populações na conservação de áreas protegidas (Cardoso, 2018). Além de legitimar a essas populações e comunidade tradicionais o direito ao uso dos recursos naturais e de suas práticas produtivas tradicionais em áreas onde estas tradicionalmente viviam (Teixeira et al., 2018; Valdanha Neto; Platzer; Gomes, 2020). Alinhando essas práticas a ideia de desenvolvimento sustentável na região amazônica, com a incorporação da prudência ecológica, justiça social e a eficiência econômica (Cavalcante Filho et al., 2019).

Apesar das expectativas em torno da economia extrativista, ainda não existe um consenso em relação a sua viabilidade como potencializadora de estratégias de desenvolvimento (Sousa, 2018). Apesar de sua importância para a formação econômica, social e política da região Amazônica (Homma, 2014). Se apresentando também como a razão e a causa do atraso dessa região, baseada na ideia de disponibilidade e inesgotabilidade dos recursos naturais (Homma, 2020).

Esta economia tem exercido importante influência em Resex, devido à falta de competitividade de produtos florestais extrativistas, cujos valores e a produtividade são inferiores ao de outros sistemas produtivos, acarretando em forte desgaste a produção extrativista, o que tem incentivado as populações locais a substituírem a produção de recursos naturais não madeireiros pela agricultura e a pecuária bovina (Freitas et al., 2018). Esta realidade reflete a ausência de aliança entre conservação ambiental e desenvolvimento social em Resex, acarretando em desgaste socioambiental nestes espaços (Freitas; Rivas, 2014).

Este desgaste é agravado por questões envolvendo problema de escolarização, acesso à serviços de saúde, saneamento básico (Haddad et al., 2019), insegurança alimentar, proteção territorial e ambiental (Silva; Simonian, 2015), baixa rentabilidade das atividades extrativistas (Homma, 2017; Franco; Sahr, 2022), baixos investimentos em infraestrutura, transporte, assistência técnica (Freitas et al., 2018, 2021), entre outros.

Em Resex, o potencial da economia extrativista ainda é desconhecido (Teixeira et al., 2018), podendo este ser superior inclusive ao do setor madeireiro e aos que fazem manejo de pastagem (Moegenburg; Levey, 2002). Na região Amazônia, o extrativismo deve ser compreendido tanto por uma perspectiva econômica, cuja a inviabilidade poderá levar a seu desaparecimento; como por sua relação intrínseca com o modo de vida das populações locais, as quais (extratoras) detém o conhecimento ecológico, do qual depende o sistema extrativista (Guimarães Júnior et al., 2021).

Face ao exposto, esta pesquisa propôs analisar uma correlação entre atividade extrativista (recursos naturais renováveis não madeireiros) como fomentadora de bem-estar social na Reserva Extrativista Estadual de Canutama no Estado do Amazonas, na região Amazônica. Para tal, a análise ocorreu em duas etapas. Na primeira, foi analisado o potencial econômico da atividade extrativista no que concerne o quantitativo de produtos com potencial econômico, constância na produção e comercialização desses produtos e as políticas públicas vigentes para esse setor. No segundo momento, houve o levantamento da oferta de serviços de infraestrutura (energia elétrica via rede pública; de ensino em diferentes séries; postos de saúde; serviço de emergência médica; serviço de transporte; instalações para receber visitantes; sistema de comunicação) e de saneamento básico (sistemas de esgotamento sanitário; acesso água via rede; serviço de coleta de lixo) as famílias na Resex. Outrossim, pretende-se contribuir para o debate sobre o potencial do extrativismo como promotor de bem-estar social e da sustentabilidade em Resex no Estado do Amazonas.

Fundamentação Teórica

1 Extrativismo: Principais aspectos

Na literatura recente o debate sobre o extrativismo ocorre sobre as seguintes vertentes: a) projeto específico de extração e exportação de forma intensiva para fins de exportação; b) paradigma de desenvolvimento no qual se inserem as economias sul-americanas, estruturado e sobre forte dependência da exploração em larga escala de recursos naturais; c) como expressão dos recursos extrativos (formas de apropriação de recursos, apropriação cultural, extração emocional, exploração humana) em um mundo capitalista (Fash, 2022).

Para uma melhor compreensão sobre extrativismo (ou economia extrativa) é necessário distingui-lo entre os grupos de recursos naturais renováveis e não renováveis, o primeiro se caracteriza pelo baixo nível de tecnologia e de mão de obra qualificada, enquanto o segundo está geralmente relacionado ao uso de alta tecnologia (Sousa, 2018).

O extrativismo tradicional ou de baixo nível de tecnologia é uma das mais antigas atividades exercidas pelo homem, que consiste na coleta de produto natural (sementes, frutas, verduras, castanhas, troncos e cascas, ervas, raízes, folhas, algas, fungos etc.) que, em geral, são atividades voltadas para o autoconsumo, por meio das quais, as comunidades retiram do ecossistema aquilo que necessitam sem colocar em risco este mesmo ecossistema (Gomide et al., 2018). Além da coleta de recursos, o cultivo, a criação, o artesanato e a agroindústria são consideradas atividades extrativistas, desde que estejam em sintonia com valores, crenças e costumes da população extrativista e com as características do seu ambiente natural (Rêgo, 1999).

Em contraste com o extrativismo tradicional ou de baixa tecnologia, o extrativismo moderno faz referência a extração em grande volume de materiais naturais de seu local de ocorrência natural, através do uso de tecnologia e maquinário mais sofisticados, voltados em grande parte para a exportação na forma de matérias-primárias (mineração, petróleo, monoculturas como soja e outros) a serem negociadas em uma rede internacional de comercialização desses recursos (Gomide et al., 2018).

De acordo com Drummond (1996), essa categoria de extrativismo não representa a sociedade em geral, mas certos setores econômicos da sociedade dotados de agricultura, pecuária, comércio, indústria transformativa, artesanato e serviços. Para este autor, tanto o extrativismo tradicional como o de alta tecnologia, podem conviver numa mesma sociedade, região e num mesmo ramo.

O extrativismo de alta tecnologia ou neoextrativismo, como este passou a ser chamado a partir do século XXI, faz referência a crítica de pesquisadores das áreas das ciências sociais e ambientais sobre um novo pensar do cenário em que passaram a estar inseridas as atividades extrativistas na América Latina nesse mesmo período (Komarcheski, 2019). Os países desse continente passaram a vivenciar uma nova ordem econômica e político-ideológica, influenciada pelo aumento dos preços de matérias-primas a nível internacional e bens de consumo (Gudynas, 2018; Komarcheski, 2019), resultando numa maior dependência de matéria-prima extrativistas, acirramento de conflitos territoriais e alteração do modo de vida de populações e comunidades locais (Dellasta; Bianconi, 2022; Milanez, 2021).

O neoextrativismo passou a ser uma opção contemporânea de muitos países de capital periférico, como os governados por partidos com tendências progressistas e de esquerda, que adotam esse modelo de desenvolvimento como estrutura de suporte econômico para implementação de programas sociais (Maldonado, 2013). A qual combina velhas práticas na apropriação de recursos naturais com a implementação de novas políticas sociais e uma maior participação do Estado (Villalba-Eguiluz; Etxano, 2017). Se diferenciando radicalmente de práticas extrativas tradicionais desenvolvidas por populações e comunidades locais, cuja forma de ocupação do espaço e manejo da natureza não representam riscos aos ecossistemas locais (Komarcheski, 2019; Gomide et al., 2018).

Conforme Maldonado (2013), a lógica de desenvolvimento moderno e extrativista se revela como uma perspectiva ambígua que, de um lado, expressa uma possibilidade de progresso e de desenvolvimento socioeconômico e, do outro lado, na forma radical em situações de subdesenvolvimento. Sobre a crítica ao neoextrativismo, Rocha (2021) destaca o rompimento da barragem de fundão (2015) com rejeito de minério na Cidade de Mariana e da barragem da Mina Córrego do Feijão (2019) no município de Brumadinho, ambos no Estado de Minas Gerais, que representaram a maior tragédia ambiental e social no país. Para Guimarães e Dantas (2021), as tragédias nesses municípios são reflexo da cobiça global por recursos naturais, faces da maldição extrativismo/neoextrativista que se perpetuou na América do Sul desde os tempos coloniais.

2 Por um novo extrativismo (Pós-extrativismo)

As intervenções (pós-extrativismo) ao extrativismo contemporâneo devem estar pautadas em atividades econômicas alternativas e por uma lógica dirigida à diversas formas de coabitação e convívio socionatural (Fash, 2022). Como a política “Buen Vivir” (“Viver bem” em tradução livre) expressa na Constituição e nos Planos de Desenvolvimento Nacional equatoriana e boliviana que, apesar de divergirem em alguns aspectos, são sustentadas por um conjunto de princípios inter-relacionados como a unidade, a igualdade, a dignidade, a liberdade, a solidariedade, a reciprocidade, a equidade social e de género, a justiça, responsabilidade, entre outras (Gudynas, 2011).

Sobre a perspectiva do pós-extrativismo, Maldonado (2013) analisou o caso da exploração do petróleo na área do Pré-Sal (camadas de cinco a sete mil metros de profundidade abaixo do nível do mar, logo abaixo de uma camada espessa de sal) no Brasil e do Projeto ambiental governamental Yasuní ITT no Equador, no Parque Nacional Yasuní, na Amazônia equatoriana.

No caso brasileiro, aprimoramento do debate sobre o marco legal, extração do recurso extrativista e distribuição (royalties) dos ganhos provenientes deste resultou em 2013 no Projeto de Lei (PL) dos Royalties do Petróleo pela Presidenta Dilma Roussef, destinando 75% dos recursos dos royalties para educação e os outros 25% dos royalties para saúde, totalizando ~R$ 770 milhões de reais para o respectivo ano. No contexto equatoriano, a iniciativa buscava deixar 856 milhões de barris de petróleo debaixo da terra do Parque Nacional Yasuní, e evitar a emissão de 407 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Em contrapartida, receberiam por meio de um consórcio internacional o valor de US$ 3,6 bilhões, o equivalente à metade do valor que seria obtido com a respectiva extração a serem investidos em ações de manejo de áreas protegidas, programa nacional de reflorestamento e projetos para alteração da matriz energética extrativista.

Para Maldonado (2013), a experiência brasileira e equatoriana representa um caminho alternativo que contrapõe a força da globalização hegemônica que tem sido imposta pelo capital transnacional, que é pautado pela produção e reprodução do acúmulo de bens e mercadorias, para o qual a produção extrativista é alavanca fundamental.

3 Economia extrativista na Amazônia

A economia da Amazônia teve como ponto de partida a extração de produtos naturais florestais, também conhecidos como “Drogas do Sertão” (cravo, canela, sal, castanhas, cacau (Theobroma cacao L.), tinturas, fibras, peles de felinos, ervas medicinais, jacarés (Alligatoridae), lontras (Mustelídeos), araras (Psittacidae), ovos de quelônios (Testudines), gordura de peixe-boi (Trichechidae), entre outros.) que, assim como as demais regiões do Brasil, tinha o mercado europeu como principal destino (Veríssimo; Pereira, 2020). O cacau (Theobroma cacao L.), a borracha (Hevea brasiliensis M. Arg.), a castanha-do-pará (Bertholletia excelsa H.B.K), o palmito e o fruto do açaí (Euterpe oleracea Mart.) e a extração da madeira, no entanto, foram os produtores de maior interesse comercial (Homma, 2014).

A comercialização da borracha, no entanto, foi o produto de maior expressão, cujo período áureo compreende os anos de 1870 a 1912 (Serra; Fernández, 2004), entrando em declínio a partir de 1947, quando essa economia na região amazônica passa a ser convertida para uma economia ligada à pecuária bovina extensiva (Maciel et al., 2018).

A pecuária bovina passou a ser inserida nos planos de desenvolvimentos para a Amazônia do governo federal a partir de 1970, estes planos incluíam investimentos em infraestrutura como a construção de rodovias, instalações de hidroelétricas, a criação de novas instituições voltadas a promover mudanças na economia regional e de novas alternativas econômicas dirigidas a geração de emprego e ocupação da região (Allegretti, 2002).

A partir da década de 1990 o processo de agriculturização tornou-se acentuado na região, contrapondo à precuarização, efetuada principalmente em áreas de pastagens degradadas com o cultivo de grãos (soja, milho) (Homma, 2017). A agricultura, assim como a pecuária bovina passaram a representar os principais vetores de desflorestamento na Amazônia (Assunção et al., 2017; Brown, 2022). Comprometendo inclusive suas reputações a nível internacional (Garcia; Rijk; Piotrowski, 2020). Em todo o mundo, a produção de bens agrícolas tem sido responsável por 45-65% do desmatamento de florestas tropicais e 20% das emissões antrópicas de gases de efeito estufa (Levy et al., 2023).

Na Amazônia, com o avanço da pecuária e da agricultura ocorre também a diminuição da atividade extrativista e o aumento da pobreza das populações locais (Seabra, 2021). A pecuária e agricultura extensiva também têm sido as principais responsáveis pela supressão da cobertura vegetal em Resex, esta supressão é impulsionada pela ausência de políticas públicas de desenvolvimento social, que contribui para o aumento da pobreza e o endividamento das populações locais, além de incentivar a estas populações a exercerem outras atividades produtivas mais rentáveis em relação ao extrativismo (Freitas et al., 2017). Segundo Homma (2020), o declínio da economia extrativista impulsiona a expansão da fronteira agrícola na Amazônia, surgimento de novas alternativas econômicas, aumento da densidade demográfica, surgimento de produtos substitutos, entre outros.

Na Resex Alto Juruá, Rio Ouro Preto e Rio Cajari, a incapacidade do Estado de prover políticas públicas adequadas tem contribuído, por exemplo, para que a renda do extrativismo se apresente de maneira complementar em relação à produção agrícola e a pecuária (Freitas et al., 2021). Mudanças nos meios de produção em Resex, no entanto, não é sinônimo de bem-estar social e de saúde ambiental. Na de Chico Mendes, por exemplo, no Estado do Acre, nos últimos vinte anos houve uma redução da qualidade de vida e de empoderamento econômico das famílias, aumento da insegurança fundiária no que se refere ao direito à terra, em concomitância ao aumento da atividade ligada a pecuária bovina e do avanço do desmatamento (Maciel et al. 2018).

Para Guimarães Júnior et al. (2021), a sustentabilidade ambiental e social do sistema extrativista é suscetível à influência de diversas variáveis como a governamental, através de suas políticas públicas. A superação da desvantagem competitiva do extrativismo demanda a necessidade de novos arranjos institucionais (Brown; Rosendo, 2000), assim como de fatores políticos, institucionais e sociais, e de estratégias coordenadas capazes de viabilizar economicamente as atividades produtivas (Maciel et al., 2010), de maneira a competir inclusive com produtos cultivados e sintéticos (Browder, 1992), e sua integração a outros segmentos da economia, uma vez que a economia extrativista está inserida em um contexto que transcende o que tem sido tradicionalmente analisado (Homma, 2020).

Materiais e Metodologia

Área de Estudo

No Estado do Amazonas estão localizadas 13 (45.586 km2) das 95 (156,217 km²) Resex existentes no Brasil (CNUC, 2020). Neste Estado, essas áreas representam 15,0% do território de Unidades de Conservação - UCs de Uso Sustentável e 8,5% de UCs de Proteção Integral (FAS, 2020), onde residem aproximadamente 4.687 famílias, em sua maioria tradicionais, e famílias autodeclaradas indígenas (em três comunidade na Resex Catuá-Ipixuna).

Figura 1: Mapa da localização da Resex de Canutama no Município de Canutama, Amazonas, Brasil, 2023.

Fonte: Autores, 2023

A Resex de Canutama (Figura 1) está localizada no território do Município amazonense de Canutama a 620 km da capital Manaus, sendo esta instituída no ano de 2009 e ocupando uma área de 1.980 km2 (Amazonas, 2009), onde residem ~1300 famílias de acordo com o gestor local da Resex, o senhor Altemar, distribuídas em 16 Comunidade e 22 Localidades:

Comunidade pode ser definida como agrupamentos de famílias que visam o acesso local a bens e serviços sociais prestados, principalmente, pelo governo municipal, tendo como característica a presença de instalações coletivas (escola, igreja, centro social) e cargos comunitários (presidente, vice-presidente, agente de saúde); enquanto as localidades são ocupações por um ou dois grupos domésticos de uma porção de terra firme próxima ao rio, normalmente vinculada a lagos, igarapés, estradas de seringas ou picos de castanhas (MMA, 2014: 57).

Essas famílias são descendentes dos antigos seringueiros que migraram da região Nordeste do Brasil para a Amazônia no final do século XIX, para trabalhar na extração da borracha. Esta Resex está situada no interflúvio Rio Purus - Rio Madeira, entre os territórios dos municípios de Tapauá e Canutama, localizados na Mesorregião do Sul do Estado do Amazonas e Microrregião do Purus no respectivo Estado (SEMA, 2013). Ao norte, o território da Resex limita-se ao com a Floresta Estadual Canutama, e ao nordeste com o Igarapé Paissé e um trecho do Rio Purus, na porção leste, é delimitado pela margem direita do Igarapé Cujubim e na porção sul é delimitado em linha reta até os limites da Terra Indígena Banawá que segue na porção oeste da Unidade. Na porção central a Resex é cortada pelo Rio Purus no sentido norte-sul. Encontram-se ainda na área do entorno o Rio Mucuim e a Unidade de Conservação Federal, Floresta Nacional de Balata-Tufari e a Resex Médio Purus.

O acesso até a Resex pode ocorrer combinando transporte fluvial, terrestre e aéreo, dependendo do ponto de partida. Por via fluvial, o acesso pode ocorrer através do Rio Purus, saindo do município de Canutama, uma viagem que pode durar entre 1 hora por meio de barco regional e 18 minutos de voadeira. Ou, saindo de barco regional do município de Lábrea, podendo a viagem durar até 6 horas. Em voadeira (como potência do motor de 40 hp) faz-se o mesmo percurso em 2 horas. Por via terrestre, o acesso pode ocorrer através da BR-230 (Transamazônica), saindo do município de Lábrea. Por via aérea, o acesso pode ocorrer através do município de Canutama, que possui uma pequena pista de pouso para aviões de pequeno porte. Saindo de Manaus, existem voos regulares para o município de Canutama às terças, quintas e sábados (SEMA, 2013).

Abordagem Metodológica

A pesquisa abrange os anos de 2021 a 2022, adotando como abordagem metodológica a pesquisa documental e de campo. Para o levantamento de informações sobre a Resex Canutama foram realizadas visitas in loco a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado do Amazonas (SEMA), além de informações obtidas junto ao escritório local da SEMA no Município de Canutama no Estado do Amazonas, responsável pela gestão da respectiva Resex, através de seu gestor local. Foram obtidas informações sobre atividades produtivas (Tabela 1)

e de políticas públicas voltadas às respectivas atividades (Tabela 2), e estas relacionadas a serviços de infraestrutura e saneamento básico (Tabela 3) ofertados às famílias na Resex.

Adicionalmente foram obtidas informações em consulta a sites online especializados sobre o desmatamento em Resex no respectivo Estado entre 2010 e 2021, da plataforma do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (PRODES,INPE, 2022). E informações sobre investimento em Resex por parte do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade – FUNBIO (Brasil, 2021).

Resultados e Discussões

Na Resex de Canutama, entre 2015 e 2021 os produtos comercializados (~50) pelas famílias movimentaram R$ 17.176.846,03, representando um valor médio anual de R$ 2.453.835,00, um pouco abaixo de dois salários-mínimos por família ao ano, que atualmente é de R$ 1.320,00. Entre estes produtos, a castanha-do-Brasil (B. excelsa Humb. & Bonpl.), peixe (fresco e seco), farinha de mandioca (Manihot esculenta), melancia (Citrullus lanatus) e açaí in natura (Euterpe oleracea) (Tabela 1), foram os que tiveram maior representatividade comercial entre estes negociados pelas famílias, representando 80.70% (R$ 13.862.271,00) das vendas para o respectivo período.

Tabela 1: Principais produtos comercializados na Resex Canutama, Amazonas, Brasil, 2015-2021

Produtos

2015

2016

2017

2018

2019

2020

2021

Castanha-do-Brasil

26,05%

34,65%

1,40%

31,96%

40,42%

30,47%

21,52%

Peixe fresco

11,60%

16,66%

21,58%

13,52%

11,20%

20,92%

26,14%

Peixe seco

6,42%

3,72%

18,16%

4,86%

6,53%

9,28%

4,56%

Farinha

16,62%

11,28%

21,84%

18,92%

14.50%

17,31%

3,90%

Açaí (beneficiado e in natura)

3,40%

2,99%

4,14%

6,07%

6,24%

3,76%

12,30%

Melancia

12,13%

6,51%

5,95%

7,79%

4,67%

7,61%

12,13%

Demais produtos

23,78%

24,1%

26,93%

16,87%

16,44%

10,63%

19,45%

Total (%)

(100%)

(100%)

(100%)

(100%)

(100%)

(100%)

(100%)

Fonte: Pesquisa de Campo, 2021-2022.

Desse valor, os produtos extrativistas representaram 71.80% (R$ 9.952.763, 00), com destaque para a castanha-do-Brasil (B. excelsa Humb. & Bonpl.) (26.73% / R$ 4.590.730,00), o peixe fresco (17.18% / R$ 3.060.800,00) e o açaí (E. oleracea) (7.24% / R$ 1.003.461). Enquanto na agricultura se destaca a produção de farinha de mandioca (M. esculenta) e melancia (C. lanatus) (28.20% / R$ 3.909.508,00).

A venda anual dos cinco principais produtos comercializados no respectivo período foi de R$ 1.980.324,00, o equivalente a R$ 1.523,00 por família. Esse valor, no entanto, pode oscilar para mais ou para menos entre os diferentes perfis (castanheiros, coletores de açaí, agricultores, entre outros) de famílias nas comunidades da Resex. Seabra (2021) identificou a concentração da produção dos principais produtos comercializados nas comunidades: Nova Vista (castanha-do-Brasil (B. excelsa Humb. & Bonpl.), Santa Bárbara (farinha de mandioca (M. esculenta), peixe e porco), Fortaleza (farinha de mandioca (M. esculenta), castanha-do-Brasil (B. excelsa Humb. & Bonpl.) e peixe), Açaituba (açaí (E. oleracea)) e Bacadaru (castanha-do-Brasil (B. excelsa Humb. & Bonpl) e farinha de mandioca (Manihot esculenta)), as quais concentram maior volume de recursos financeiros entre as 16 comunidades da Resex (Figura 2).

Figura 2: Gráfico da Participação da produção nas Comunidades na Resex Canutama, Amazonas, Brasil, 2020

Fonte: Seabra (2021)

Além da concentração econômica em alguns poucos produtos, a variação na produção e comercialização desses, também apresenta aspectos importantes. Como é o caso da castanha-do-Brasil (B. excelsa Humb. & Bonpl.), que em 2017 representou 1,40% das vendas, enquanto em 2019, esta foi de 40,42%.

A concentração da economia extrativista em alguns poucos produtos é uma realidade em toda a Amazônia, na qual, ainda existem centenas de produtos a serem explorados, e cujo potencial tecnológico e econômico ainda é desconhecido (Teixeira et al., 2018; Homma, 2020). Esta realidade também se faz presente em todo o Brasil, onde esta economia movimenta ~R$ 4,3 bilhões ao ano, desse valor, R$ 1,6 bilhão (37,0%) são provenientes da produção florestal não madeireira, com destaque para o fruto do açaí (E. oleracea) (Brasil, 2019b). Este produto, entre 2016 e 2020, movimentou R$2.967.990.000,00, seguida da castanha-do-brasil (B. excelsa Humb. & Bonpl.) (R$572.443.000,00) e da Borracha (H. brasiliensis L.) (látex-coagulado e líquido) (R$22.680.000,00 (SFB, 2021).

A fragilidade da economia extrativista na Resex, além sofrer influência da concentração econômica em alguns poucos produtos e da variabilidade na produção e comercialização destes, esta também é influenciada pela ausência de políticas públicas capazes de promovemelhorias na cadeia produtiva. Apesar de serem identificadas na Resex algumas políticas nesse sentido (Tabela 2).

Tabela 2: Políticas públicas de apoio à atividade produtiva na Resex Cantama, Amazonas, Brasil, 2022

Política pública

Descrição

+Crédito Amazonas

Lançado em 2022 pela Agência de Fomento do Estado do Amazonas (AFEAM), dentre suas linhas de crédito tem-se o “+Crédito Agro”, voltado ao financiamento de atividades como extrativismo, pesca, piscicultura, agricultura, pecuária, entre outros

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)

O programa do Governo Federal para subsidiar forças de trabalho em propriedades de pequenos agricultores. Dentre suas linhas de créditos tem-se o “Pronaf ABC+ Floresta”, que inclui a exploração extrativista ecologicamente sustentável

Plano Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)

O programa do Governo Federal voltado ao fornecimento da cadeia de abastecimento da alimentação escolar

Programa de Garantia do Preço Mínimo (PGPM)

O programa do Governo Federal voltado a apoiar a produção rurais mediante o estabelecimento de preço mínimo de referência a produtos agrícolas, de maneira a garantir rentabilidade mínima à produção, e sem imposição de preço ao mercado

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar

O programa busca promover o acesso à alimentação, bem como o incentivo à agricultura familiar

Fonte: Pesquisa de Campo, 2021-2022

Estas políticas não têm corroborado para o empoderamento desta economia e sua capacidade de promover bem-estar às famílias na Resex, este bem-estar é agravado pela ausência e baixa qualidade de políticas públicas de desenvolvimento social, como o acesso a serviços de infraestrutura e de saneamento básico pela população local (Tabela 3).

Tabela 3: Serviço de infraestrutura e saneamento básico ofertados às famílias na Resex de Canutama, Amazonas, Brasil, 2022

Serviço

Meio de acesso

Energia elétrica

Rede pública, motor gerador, sistema de energia renovável

Instalações para visitantes

Não possui

Escola

Oferta de ensino a nível de Educação Básica a nível de Educação Infantil e Ensino Fundamental

Postos de saúde

Não possui

Serviço de emergência médica

Não possui

Serviço de transporte

Translado para as escolas e cidade

Sistemas de comunicação

Telefone público (orelhão), Internet, Sistema de rádio, telefone móvel

Esgotamento sanitário

Não possui

Serviço de coleta de lixo

Não possui

Fonte: Pesquisa de Campo, 2021-2022.

Incluindo a ausência de posto de saúde e serviços de emergência médica, oferta de ensino em diferentes séries, serviço de transporte para o escoamento da produção, instalações para receber visitantes, sistema de esgotamento sanitário e coleta de lixo, entre outros.

Na Resex não existe sistema público de captação e distribuição de água via rede, sendo evidenciado de acordo com o gestor local da Resex, que ~50,0% das famílias fazem captação de água por meio de motores bomba. As demais, combinam diferentes formas de acesso, como o uso de cacimbas, sistemas de captação de água da chuva e captação de água diretamente em rios ou igarapés. Da mesma forma não existe na Resex sistema de esgotamento sanitário e serviço de coleta de lixo. Diante dessa realidade, é uma prática comum das residências lançarem o esgoto doméstico diretamente em rios ou no solo, incinerar ou enterrar o lixo gerado nas residências.

A precarização na oferta de serviço de saneamento básico no Brasil é mais acentuada em áreas rurais, onde acesso a serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos representam respectivamente 40,5%, 20,6% e 23,6% (Whately; Lerer; Jardim, 2020). Na região amazônica, somente 22,1% da população rural tem acesso a água via rede, as demais, combinam diferentes forma para o acesso que inclui o uso de carro pipa (0,2%), captação da chuva (0,5%), rios/açudes/lagos (16,0%), poço/nascentes dentro (46,4%) ou fora da propriedade (22,0%) (Brasil, 2019a). Em relação ao acesso ao serviço de esgotamento sanitário, apenas 0,9% da população o tem por meio de rede, enquanto 13,5% não possui e 51,5% fazem uso de fossa rudimentar; da mesma forma, no que tange à destinação dos resíduos sólidos, 72,3% da população o incineram e 4,3% enterram e 2,6% coletam em caçamba (Brasil, 2019a).

A realidade dos serviços de infraestrutura e de saneamento básico na Resex Canutama, refletem também os baixos investimentos destinados à gestão e fiscalização por parte do FUNBIO nesses espaços no Estado do Amazonas que, entre 2014 e 2021 foi de R$ 13.621.404,07 (Brasil, 2021). Deste total, apenas R$ 393.012,60 (2,9%) foram investidos na melhoria dos serviços de infraestrutura e o restante em ações de operacionalização, monitoramento da biodiversidade, funcionamento dos conselhos, sinalização e outros. Na Resex de Canutama foram investidos R$ 1.862.062,34, desse valor, R$ 14.637,01 (0.79%) foram investidos em melhoria de instalações.

Apesar dos desafios econômicos e sociais, o modo de vida das famílias e o manejo destas com a natureza, assumem aspectos importantes para a saúde ambiental da Resex, onde a perda de cobertura vegetal entre 2010 e 2021 foi de 0, 83 km2, o equivalente 0,04% de seu território, cumprindo dessa forma seu propósito de conservação ambiental, além de tornar evidente a importância das populações locais para a manutenção desta conservação.

Em contrastando com a conservação ambiental, o bem-estar das famílias nesta área é agravado pela fragilidade da atividade extrativista a qual não tem sido capaz de assegurar o empoderamento econômico das famílias que a pratica, bem como pela ausência e baixa qualidade de políticas públicas de desenvolvimento social, como as relacionadas a oferta de serviços de infraestrutura e de saneamento básico. Confluindo dessa forma, para perda de identidade da Resex como uma categoria de UC de Uso sustentável no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

Promover a geração de renda adequada para a população local representa um dos objetivos fundamentais para o alcance do sucesso em Resex (Moegenburg; Levey, 2002). Em qualquer área de floresta sua proteção depende da capacidade da população local e desta no entorno, de alcançarem prosperidade, a qual deve ocorrer sob uma base sustentável (Schwartzman; Nepstad; Moreira, 2000). Na Resex Canutama a fragilidade da economia extrativista contribui para o enfraquecimento da aliança entre conservação ambiental e desenvolvimento social. Esta aliança norteia a proposta do modelo Resex enquanto política pública (Gomes et al., 2018).

A realidade da atividade extrativista nesta Resex reforça a ideia de autores como Salisbury e Schmink (2007) e Homma (2017; 2020), como está sendo uma atividade marginal e vinculada, de acordo com Drummond (1996), a uma economia de subsistência. Apesar desta atividade desempenhar múltiplas funções neste espaço, que inclui a geração de renda, promove um processo produtivo ecologicamente correto através de práticas tradicionais sustentáveis, incentiva a conservação ambiental, mantém a herança cultural das populações locais, promove a segurança alimentar, entre outros.

Considerações Finais

A atividade extrativista na Resex Canutama tem sua economia atrelada principalmente a produção e comercialização de castanha-do-Brasil (B. excelsa Humb. & Bonpl.), peixe, açaí (E. oleracea), além de produtos agrícolas como a farinha de mandioca (M. esculenta) e melancia (Citrullus lanatus), chegando a representar 80.70% (R$ 13.862.271,00) das vendas dos produtos comercializados entre 2015 e 2021. Essa concentração, em concomitância com a variação na produção e comercialização desses produtos, e a ausência de políticas públicas para esse setor, assumem aspectos importantes para a fragilidade dessa atividade e a sua capacidade de prover bem-estar às populações locais. Este bem-estar é agravado pela ausência e baixa qualidade de políticas públicas de desenvolvimento social, no que se refere a oferta de energia elétrica via rede, ensino em diferentes séries, serviço de saúde pública, transporte, instalações para visitantes, acesso à água via rede, sistema de esgotamento sanitário e de coleta de lixo.

Nota-se, no entanto, que estas atividades desempenham multifuncionalidades como a promoção da segurança alimentar, geração de renda, manutenção da cultural local, conservação ambiental, entre outros. Destarte, faz necessário um debate mais amplo sobre esta atividade no contexto da política ambiental na Resex, o qual deve envolver questões como fortalecimento da cadeia produtiva extrativista, valorização dos fazeres e saberes locais na conservação da floresta, garantia de direitos de populações e comunidades tradicionais, entre outros.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) pela bolsa de doutorado concedida ao primeiro autor, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) pelo incentivo a pesquisa de seu quadro docente e técnico e ao gestor local da Reserva Extrativista Estadual Canutama pelas informações repassadas sobre a respectiva Resex.

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