Volumen 32 Nº 2 (abril-junio) 2023, pp.14-31

ISSN 1315-0006. Depósito legal pp 199202zu44

DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.8075073

O crime (des)organizado em Minas Gerais: peculiaridades de um estado brasileiro

*Douglas Viana **Rafael Lacerda Silveira Rocha y ***Ludmila Ribeiro

Resumo

Neste artigo refletimos sobre as dificuldades do Primeiro Comando da Capital (PCC) em se institucionalizar no estado de Minas Gerais. A partir de dados disponibilizados no âmbito de um processo penal que escrutinou a estrutura do PCC, obtidos através de escutas telefônicas autorizadas pela justiça, apresentamos as resistências aos três eixos estruturantes do Comando em razão da demanda de maior autonomia. Entendemos que essa independência para a sociabilidade dentro das prisões, para o estabelecimento de regras no comércio de drogas e para o uso da violência na administração de conflitos pessoais podem ser lidos como parte de uma dinâmica de masculinidade. Logo, os valores machistas, como a autonomia e a possibilidade de uso de violência para a solução de conflitos continua a ter papel de destaque na não subsunção dos “bandidos” da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), destoando-os das regras do Primeiro Comando da Capital de racionalização e previsibilidade das mortes. Em suma, Minas Gerais parece se aproximar das dinâmicas criminais masculinas do Rio de Janeiro, mas de uma forma mais fragmentada, dada a ausência de uma efetiva governança criminal em seu território, o que implica em constantes disputas entre pequenos grupos desviantes

Palavras chaves: PCC; Minas Gerais; desorganização criminal; autonomia; masculinidade

*Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Brasil. E-mail: douglasviana@gmail.com / ORCID: 0009-0001-4513-8498
**Instituto Sou da Paz. São Paulo, Brasil. E-mail: rochaunit02@gmail.com /

ORCID: 0000-0003-3587-0906

***Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Brasil. E-mail: lmlr@ufmg.br ORCID: 0000-0003-4304-2254

Recibido: 07/01/2023 Aceptado: 11/03/2023

(Un)organized crime in Minas Gerais: peculiarities of a Brazilian state

Abstract

In this article we reflect on the difficulties of the First Command of the Capital (PCC) in institutionalizing itself in the state of Minas Gerais. Based on data made available in a criminal trial, obtained through wiretapping authorized by the court to scrutinize the structure of the PCC, we present the resistance that inmates and inhabitants of Minas Gerais have to the three structuring axes of the Command due to their demand for greater autonomy. We understand that this independence (i) for socialize within other inmates in prisons, (ii) for establish rules in the drug trade and (iii) for the use of violence can be read as part of a dynamic of masculinity. Therefore, sexist values, such as autonomy and the possibility of using violence to resolve conflicts, continue to play a prominent role in the non-subsumption of “bandits” in the Metropolitan Region of Belo Horizonte (RMBH, acronym in Portuguese) to the PPC authority. The behavior of Minas Gerais criminals clash with the rules of the First Command of the Capital, especially the ones related to the rationalization and predictability of deaths. In short, Minas Gerais seems to approach the male criminal dynamics of Rio de Janeiro, but in a more fragmented way, given the absence of effective criminal governance in its territory, which implies constant disputes between small deviant groups

Keywords: PCC; Minas Gerais; criminal disorganization; autonomy; masculinity

Introdução1

Nos últimos anos, é crescente a literatura sobre grupos criminais organizados que se originaram dentro das prisões brasileiras e cujos valores se expandiram para as periferias das grandes cidades (Lourenço, 2022). Desde o trabalho seminal de Paixão (1987), que apontava para a emergência das falanges, “grupos organizados de prisioneiros na constituição, manutenção e desestabilização da ordem social de presídios” (p. 87), são inúmeros os estudos que mostram como essas coletividades estão presentes em todos os estados brasileiros (Adorno e Muniz, 2022). Se são distintas as explicações para o processo de constituição de “associações criadas desde as prisões para manutenção de laços sociais e esquemas de proteção entre pessoas detidas e privadas de liberdade” (Paiva, Dias e Lourenço, 2022, p. 16), há algum consenso em torno no papel desempenhado pelo Estado, ou melhor, por seus agentes, seja do ponto de vista da violência policial (Feltran, 2012), seja do ponto de vista da corrupção dos responsáveis por manter a ordem (Beato e Zilli, 2012).

O Primeiro Comando da Capital (PCC) é uma facção prisional nascida dentro do sistema penitenciário paulista na década de 1990 como uma resposta às privações e violências impostas pelas condições de aprisionamento (Salla, 2006), cujo crescimento está relacionado à expansão de um sistema de crenças, valores e atitudes dentro e fora das prisões, para além da posição de regulador nos mercados ilegais de armas e drogas principalmente (Feltran, 2018). Um dos pontos tem chamado a atenção dos pesquisadores é a sua expansão para outros estados da federação (Manso e Dias, 2017), o que traria especificidades para essa “grife” ao invés de singularidades na maneira como ela opera em seus três eixos de sustentação: família, comando e empresa.

Há consenso na literatura que o PCC surgiu em São Paulo como desdobramento de uma série de violências muito comuns dentro de unidades prisionais (Manso e Dias, 2018). Sua legitimidade se construiu pela dissolução progressiva da lei do mais forte dentro das prisões (o que traria alguma paz ao cárcere) além da resistência à violência estatal, o que tem no massacre do Carandiru a sua face mais visível (Salla, 2006). Para unir as pessoas privadas de liberdade dentro da mesma ideologia (o chamado proceder), os detentos foram criando estratégias de conexão semelhante ao que se observa na maçonaria (Feltran, 2018). Um irmão que já aderiu ao estatuto do partido convida outro para ser batizado e, da mesma maneira que nas religiões de matriz cristã, esse ritual insere o novato em um novo sistema de crenças, valores e atitudes que, se não for respeitado, pode ocasionar punições diversas e, no limite, a própria morte do indivíduo (Biondi, 2018). Essa é a faceta da família, em que os irmãos precisam se unir em torno do ideal de preservar os costumes e a solidariedade entre os membros.

Ao longo dos anos 1990, o slogan do PCC “paz entre os ladrões e guerra contra o sistema” foi se fortificando dentro dos espaços de privação de liberdade, numa clara ameaça aos agentes estatais, vistos como sinônimo de opressão contra os “bandidos” (Manso e Dias, 2017; 2018). Contudo, essa nova “ideologia” e os “procederes” que ela aciona também transpassaram os muros das prisões a partir dos anos 2000 numa clara demonstração da porosidade entre o mundo prisional e as periferias urbanas (Godoi, 2015). Para a aceitação do PCC fora das prisões, contribuiu a construção de uma nova gramática “nas “quebradas” onde o mata-mata ainda acontecia em grande quantidade” (Manso e Dias, 2017, p. 16). Neste ponto, a organização tratou de regular o poder de matar por meio da constituição de “tribunais” com decisões coletivas, em que ofendidos e ofensores eram chamados a debater, com o PCC estabelecendo uma punição que, muitas vezes, passava à margem da morte violenta (Dias, 2009). Essa é a face do comando, pois significa submeter toda a comunidade a uma lógica de vivência e de atitudes, cuja infração significa o ostracismo ou a aniquilação do sujeito.

O salto quantitativo de membros do PCC, dentro e fora das unidades prisionais, viria a partir de meados dos anos 2000 (Manso e Dias, 2017). As rebeliões orquestradas em distintas unidades prisionais de São Paulo ocasionaram inúmeras transferências de detentos entre penitenciárias situadas em distintos estados da federação (Alvarez, Salla e Dias, 2013), para além da criação do Regime Disciplinar Diferenciado que, em última instância, colocaria os membros da facção em conjunto (Biondi, 2017). Multiplica-se, desta forma, o interesse pela “facção criminosa”, capaz de mudar completamente a legislação e a gestão das unidades prisionais (Furukawa, 2008). Os estudos sobre PCC passaram a desvelar um caráter mais empresarial desta instituição que, até então, parecia oferecer somente proteção aos seus irmãos (Manso e Dias, 2018). Multiplicaram-se as análises sobre as rotas de drogas e armas percorridas pelos membros do partido para a busca de mercadorias mais puras e com menos atravessadores, o que permitiria o estabelecimento de preços mais atraentes no varejo e a monopolização de pontos de revenda em grandes cidades (Paiva, Dias e Lourenço, 2022). Essa é a face da empresa, em que as estratégias capitalistas de geração de maior lucro se tornam cada vez mais racionais, acionando distintos sujeitos e estratégias para que os negócios possam passar despercebidos por parte do Estado.

Na virada dos anos 2010, empresários capazes de aportar dinheiro (em detrimento de apenas garotos pobres responsáveis pela revenda), oficiais estatais de “alto escalão” (ao revés de apenas policiais de linha de frente) passam a ser figuras de destaques do PCC, antes visto apenas como uma facção derivada do mundo prisional (Manso e Dias, 2018). Multiplicam-se também as operações do sistema de justiça criminal destinadas a conter o espraiamento da organização, o que resultou num aprisionamento extenso de pessoas supostas ligadas ao PCC (Silvestre, 2014). Dentro dos muros prisionais, elas eram responsáveis por “levar a palavra da facção”, ou seja, por recrutar novos membros que poderiam se tornar irmãos pelo batismo ou simpatizantes do negócio, mas igualmente enredados no PCC (Alvarez, Salla e Dias, 2013). Tudo pareceria indicar uma enorme confluência de valores morais, comunitários e empresariais numa espécie de ganha-ganha infindável, a ponto de vários gestores chegarem a afirmar que a prisão era totalmente dominada pelo PCC (e somente por ele) (Duarte, 2022).

O que explicaria, então, o diagnóstico de Adorno e Muniz (2022) de que, apesar de o PCC estar presente em todos os estados da federação brasileira na virada dos anos 2020, existem outras 53 facções criminais que ora com ele colaboram ora com ele digladiam?

Argumentamos que o estado de Minas Gerais pode apresentar algumas pistas que talvez ajudem a responder a essa pergunta. Entendemos que os benefícios prometidos pelo PCC aos membros (novos e antigos) giram em termos de (i) proteção à violência dentro e fora das prisões pela internalização de um novo proceder, o que garante previsibilidade em termos de quais ações (ilícitas e lícitas) serão acionadas na economia política do crime e da violência (comando); (ii) ganhos econômicos sustentáveis nos empreendimentos criminais, sobretudo os relacionados ao comércio de entorpecentes, cujos preços passam a ser tabelados (empresa); (iii) pertencimento a uma família, o que garante conexão identitária, cultural e ideológica, tornando os irmãos mais importantes do que qualquer sujeito do lado de fora (Lourenço, 2022). No entanto, a sujeição a esses três eixos de sustentação gera perda de autonomia, especialmente, no que diz respeito à decisão de que rumo seguir e quando usar a violência, elementos essenciais da masculinidade numa sociedade patriarcal como a brasileira.

Assim, ao contrário das outras abordagens do PCC que centram-se nos ganhos que o pertencimento à facção trariam como elemento de convencimento e de sujeição dos novos membros, problematizamos as perdas que essas características significam em termos simbólicos para uma ideia de masculinidade muito ancorada na perspectiva de autonomia, para gestão dos negócios e da vida (inclusive a dos outros). Argumentamos, dessa maneira, que para preservar a sua masculinidade, o que vemos em Minas Gerais é um rechaço a essas estratégias do PCC, ainda que isso signifique mais instabilidade na comunidade, medo na e da família e perda de lucros nos negócios.

Metodologia

No dia 03 de junho de 2018, um domingo, o estado de Minas Gerais foi palco da maior série de ataques aos equipamentos públicos e privados (ônibus coletivos, unidades policiais, bancos). Durante uma semana, segundo a cobertura da imprensa, foram registradas 105 ofensivas a 40 cidades mineiras, às quais foram atribuídas ao PCC, uma prova “inequívoca” de que a facção se expandia pelas terras mineiras (Duarte e Araújo, 2021).

Coube à Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) investigar esses ataques, o que gerou um rico material composto por mais de 43 horas de conversas telefônicas devidamente autorizadas pela justiça, de indivíduos que foram previamente identificados como integrantes do PCC, posto que exerciam funções de “responsa” dentro do grupo. Ou seja, todos os envolvidos na investigação receberam a marcação de membros do PCC pelos próprios pares, outros membros do grupo, que eram apontados nas interações telefônicas como membros da dinâmica do comando, sujeitos da família, ou empresários da atividade econômica.

A preferência por ligações tradicionais (em detrimento das realizadas por aplicativos como o whatsapp) deve-se a sua maior estabilidade (posto que não sujeita às flutuações de internet) e a sua maior disponibilidade (não dependem de smartphone, podendo ser realizada a partir de aparelhos tradicionais, chamados de “radinhos”). Além das conversas entre duas pessoas, foram registradas várias teleconferências, chamadas pelos membros do PCC de “R”, nas quais a rotina da facção era discutida de forma explícita. Os diálogos nos telefones eram abertos, ou seja, não cifrados, o que terminava por garantir a compreensão dos temas por quem não é “faccionado”. Afinal, uma das funções simbólicas das ligações dentro das unidades prisionais é a arregimentação de novos membros, razão pela qual ela precisa, na maioria das vezes, ser inteligível a todos os presentes.

Nessas conversas, a transmissão da relação de membros, funções e seus respectivos terminais telefônicos, denominados de “linha vermelha”, ocorria sem aparente preocupação de que isso pudesse, de alguma maneira, oferecer risco aos participantes (como, por exemplo, de estarem sendo ouvidos pelas forças de segurança). Assim, o material produzido pela investigação da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) se torna também material de pesquisa, posto que são diálogos produzidos pelos integrantes do PCC que, em princípio, não sabiam que estavam sendo gravados. Pode-se pressupor, então, que elas não são resultado de uma série de seleções e filtragens, comuns em documentos produzidos pelo sistema de justiça criminal, tornando-as representações críveis do que acontece no âmbito desta facção.

Tomamos este material como contraponto empírico para entender o que acontece em Minas Gerais em termos de dinâmicas criminais. Para tanto, inicialmente, solicitamos a autorização para acesso aos áudios disponíveis no processo criminal 0286898-59.2019.8.13.0024, encerrado junto à 1ª Vara Criminal de Belo Horizonte, que se centrava na investigação dos ataques do PCC a partir de conversas telefônicas de 48 membros da facção ocorridas entre os anos de 2013 e 2018. Os áudios obtidos pela PCMG foram transcritos, permitindo a sua análise a partir da identificação dos assuntos tratados em cada diálogo. Nesta etapa, foi criada uma matriz de códigos, operacionalizada por meio de uma planilha de Excel, em que cada linha era um personagem numa gravação e as colunas eram os temas relacionados às três dimensões que ajudam na compreensão do PCC: família, comando e empresa.

A família, o comando e a empresa: uma nova leitura a partir da masculinidade

Para entender como o crime organizado em Minas Gerais se estrutura, partimos de uma afirmação feita por Sander (2021) de que o PCC é sempre vista com admiração por pessoas do mundo do crime porque a organização tende a ser tematizada “como algo de “bandido importante”, “peixe grande no crime”, em contraposição aos “ladrões de galinha”,” (p. 168), composição majoritária das pessoas privadas de liberdade no estado. Essa percepção seria resultado do caráter descentralizado dos grupos mineiros, que seriam pequenas gangues, com atuação “em territórios específicos e altamente fragmentados” (p. 169).

Beato e Zilli (2012) argumentam que são duas as variáveis a explicar a maior (ou menor) estruturação dos grupos criminosos. Numa espécie de linha evolutiva, as gangues mineiras são colocadas num polo, onde a desorganização seria a marca, para além do uso constante da violência para a resolução de conflitos estatais. Num pólo mais extremo, estaria o PCC, em razão de suas três facetas (família, comando e empresa), para além de uma leniência e cooperação, indispensáveis à expansão do domínio da organização. Há maior violência no primeiro polo desta linha porque qualquer conflito pode desaguar em morte: desde o ciúme da mulher amada, até a dívida com algum agente do estado. No outro, a ilegalidade passa despercebida, sobretudo, porque não existem conflitos que chamem a atenção da mídia e das agências de controle.

Sander (2021) apresenta a visão dos agentes de segurança mineiros sobre essa tipologia de Beato e Zilli (2012). Para seus interlocutores, o crime em Minas Gerais seria desorganizado porque não dominado pela masculinidade, ou seja, pela disciplina, que seria “valorizada por eles como profissionalismo e seriedade, habilidade para a guerra e para os negócios” (p. 175). Nas palavras da autora, ao relatar a percepção dos agentes prisionais sobre as dinâmicas criminais, “o crime mineiro é posto como o polo feminino e desordenado que se opõe ao crime paulista, masculino e organizado pela hegemonia do PCC” (Ibidem).

Essa forma de tematizar as dinâmicas criminais é bastante surpreendente porque crimes e criminosos são palavras que, por si só, acionam noções compartilhadas culturalmente no Brasil do que seria a masculinidade. Nesta categoria é entendida, muitas das vezes, como sinônimo de força, dinheiro e, também, de uso da violência para a sujeição do outro, especialmente se esse for uma mulher. Então, não haveria, em princípio, dinâmicas de crime que não fossem masculinas ou masculinizadas, ao contrário do que relata os agentes de segurança entrevistados por Sander (2021). Para entender como é possível essa distinta tematização usamos a noção de masculinidade tal como definida por Penglase (2010) para analisar os conflitos entre facções na cidade do Rio de Janeiro para apontar porque o PCC não consegue se institucionalizar em Minas Gerais.

Segundo Penglase (2010), em que pese a inexistência de um modelo de masculinidade que possa se aplicar a todo o país, existiria uma gramática cultural muito similar entre homens (sujeitos nascidos como machos e que se identificam como do gênero masculino) residentes em áreas de periferia de baixa renda. Essa gramática seria marcada por dois elementos principais: (i) a relação entre violência e identidade masculina, o que faria com que a capacidade de lançar uma ameaça crível de violência seja central para ser considerado “homem”; (ii) a relação entre masculinidade e a autonomia para a tomada de decisões, o ser considerado “macho”. A conjunção entre esses dois elementos faria com que, no Rio de Janeiro, a capacidade dos traficantes de tomar decisões livremente (ainda que elas pareçam pouco estratégicas do ponto de vista da racionalidade do lucro) e a possibilidade de fazer ameaças críveis de violência seja fundamental para seu poder.

Trazendo o entendimento de masculinidade de Penglase (2010) para as dinâmicas criminais em Minas Gerais, argumentamos que os “bandidos” mineiros não querem abrir mão de sua autonomia e do seu pouco escrúpulo em usar a violência para atingir seus objetivos porque isso significaria abrir mão daquilo que os define como “homens”. Então, o que leva à suposta desorganização mineira seria, justamente, o desejo dos “bandidos” de Minas Gerais em manter a sua masculinidade, ou seja, sua independência para socialização, dentro e fora da prisão (a família); a possibilidade de usar a força para a resolução privada de conflitos (o comando) e a liberdade de estabelecer os preços das drogas comercializadas (a empresa).

O argumento da masculinidade cis (correspondência entre sexo e gênero) e heterossexual como explicação para as dinâmicas de crime em Minas Gerais ganha destaque quando nos deparamos com um “tabuleiro” compartilhado via WhatsApp no dia 03/09/2018.2 Nesta planilha foi listado todo o quadro da “feminina do estado”3 que contava à época com 27 integrantes mulheres, ou seja, mulheres com DDD de prefixos de cidades mineiras que exerciam funções de coordenação junto ao PCC. Para além delas, foram listadas ainda cinco “companheiras”, que “corriam” com o PCC, mas não eram batizadas. Eram apenas 27 mulheres num universo de mais de 2700 homens listados como “sintonias”.4

A presença de poucas mulheres em posições de comando tende a ser um padrão nas diversas dinâmicas de grupos ilegais, sobretudo do PCC quando imiscuído em negócios como de carro roubado (Feltran et al, 2021). Mais do que a presença numérica, o que chama a atenção é como os diálogos que sustentam essa análise se dão entre homens que cobram, uns dos outros, determinadas performances de masculinidade no que diz respeito aos três eixos de sustentação do PCC. As próximas subseções trazem alguns dados para elucidar esse argumento.

A família

A entrada e o espraiamento do Primeiro Comando da Capital em território mineiro não possuem um marco temporal específico, mas se inserem em um período de mudanças ocorridas nas estruturas políticas do sistema de justiça criminal a partir do início do século XXI que culminaram no aumento expressivo de pessoas encarceradas em Minas Gerais (Duarte e Araújo, 2021). Nas palavras de Geleião, um dos fundadores do PCC, em depoimento à CPI do Tráfico de Armas, o percurso do grupo no estado parte de “alguns perdidos por lá” (BRASIL, 2006, p. 70). Anos mais tarde, a região passa a ser vista como passível de expansão no mercado do varejo de drogas, sendo citada em um salve de 2011 que pleiteava a ampliação da arrecadação em jogos de azar, e, depois, em 2012, num salve sobre a expansão de irmãos no estado, o que colocaria o estado atrás somente do Paraná e da Bahia em número de integrantes (Manso e Dias, 2018).5

Segundo Ribeiro et.al. (2017), esses salves ligaram os alertas dos gestores do sistema prisional do estado que, na tentativa de conter o avanço do grupo em Minas Gerais, optou por concentrar todos os “irmãos” em uma unidade prisional (no caso o Complexo Penitenciário Nelson Hungria - CPNH). Essa política gerou dois efeitos contraditórios. Por um lado, ser “irmão” significava cumprir pena numa unidade de segurança máxima (CPNH), longe da família e, consequentemente, dos itens indispensáveis à sobrevivência humana atrás das grades. Por outro lado, para quem não tem família, ser “irmão” era a possibilidade de contar com o apoio da facção para uma melhor sobrevivência intramuros. Com isso, somente quem não tinha nada a perder, em termos de redes familiares, estaria disposto a se sujeitar às regras da “nova família” no CPNH. Essa estratégia ajudou a colocar os membros do PCC diante de presos das mais diversas regiões, muitas das vezes sem amparo estatal para o provimento de itens básicos de saúde e higiene, tornando-as dependentes do Comando.

Nas gravações da PCMG utilizadas como fonte de informação sociológica para este texto foi possível verificar como, entre os integrantes do PCC, a faceta da irmandade foi reforçada como sendo o elemento mais vantajoso para a filiação ao grupo e o motor do crescimento em Minas Gerais. Se por um lado a associação de amigos e familiares de pessoas privadas de liberdade repetia em uníssono “quem não tem família está morto”, aqueles sem irmãos de sangue reforçaram a força deste dito se filiando à família do comando. Logo, o PCC entra inicialmente como proteção ante à vulnerabilidade de quem está em situação de cárcere, e oferecendo assistência social básica aos seus membros.

Os dados reunidos no processo penal permitem vislumbrar o tamanho e o crescimento do Comando em território mineiro entre 2009 e 2018 (gráfico 1). Segundo essa contabilidade, o PCC saiu de 72 membros, que seriam aqueles “irmãos” perdidos pelo estado em 2009 para 2330 membros quase uma década mais tarde, um crescimento de 32,36 vezes. A ascensão verificada nos documentos jurídico penais pode ser confirmada por outras fontes. De acordo com Duarte e Araújo (2020), em 2012, os jornais divulgavam notícias sobre o crescimento do PCC em Minas Gerais, o discurso oficial negava a presença do grupo. Dois anos depois, as notícias já traziam as ações do poder público para tentar frear esse avanço (como a concentração de integrantes na CPNH). No final da década de 2020, não apenas os jornais, como os gestores do sistema, para além dos próprios presos, diziam que os “irmãos” estavam espalhados por todo o sistema prisional.

Gráfico 1 - Crescimento do número de membros conhecidos do PCC em Minas Gerais entre 2009 e 2018

Fonte: Dados do processo criminal 0286898-59.2019.8.13.0024, sistematizados pelos autores6

Vários áudios gravados de conversas entre os componentes do PCC durante o ano de 2018 permitiram identificar o crescimento da organização nos seis meses que duraram a investigação. É interessante notar como o diálogo reforça que o batismo de novos integrantes se faz, sobretudo, dentro do sistema prisional, por meio das frentes de expansão dentro do sistema prisional, como indica a conversa entre “M” e “D”, integrantes de estruturas políticas da gangue prisional:

M: Ah essa semana aqui eu acho que eu batizei uns dez, heim?!

D: Tem que batizar, mano! tem que fechar 70 batismo na semana!

M: Ehh nossa, uma semana é moiado hein, cara? Mas... tá custando a fazer 30, 20, 25!

D: Anh?

M: Essa semana aqui eu acho que batizei uns dez, heim?

D: Ah, mas quando nós tava aí o bagulho era louco ela 70,80 batismo na semana!

M: Caraí, hein mano é muita coisa viu irmão!

D: É nós batizava desse jeito aí cara!

M: Mas tá crescendo irmão! a caminhada... Oh procê ver: um ano atrás, um ano e pouco atrás, quando eu peguei na Geral do Sistema cara, tava 1500 e poucos irmão, mano!

D: Quando eu cheguei aí no estado aí, no mês 02, cara, de 2018 tinha 1600 irmão! 1650 e pouco irmão, eu tenho umas planilhas aqui ainda!

M: É verdadede

D: Primeiro eu entreguei o estado com 2.200!.

M: É irmão para carai né cara?

D: Quantos irmão tem hoje no estado aí?

M: 2 330... não! deve ter na faixa de uns 2 350 agora, o último fechamento foi 2330!

Como os dados relatados na conversa são trazidos pelos próprios integrantes do PCC, eles precisam ser analisados de maneira crítica, posto que as conversas servem a fins políticos: mostrar a efetividade na ampliação do PCC dentro das estruturas de privação de liberdade. São, assim, números passíveis de intencionalidade, pois maximizar o tamanho do grupo pode indicar compromisso com as regras e, assim, utilizar essa inflação pode ser uma estratégia para ganhar prestígio com os demais “irmãos”). Contudo, como o batismo significa enredar o novo membro numa série de dinâmicas de solidariedade (e reciprocidade empresarial), os números compartilhados tendem a ser próximos do real.

Logo, o panorama dos batismos crescentes de novos “irmãos” abre um debate sobre a qualidade desses rituais de iniciação. Inicialmente, alguns diálogos destacavam que a entrada para o grupo poderia ser percebida como vantajosa em virtude das motivações materiais e ideológicas. Contudo, com o passar do tempo, as desvantagens passavam a pesar para os membros em razão de algumas responsabilidades que os batismos colocavam. Primeiro, a preocupação dos integrantes do PCC era saber se haveria “oposição” por parte de grupos rivais, principalmente o Comando Vermelho, que poderiam “sacrificar” os novatos para mostrar a sua força. Depois, os participantes da reunião teceram importantes comentários sobre o relacionamento com os demais grupos criminais da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), o que também poderia significar rivalidades, já que os “bandidos” da capital mineira e do seu entorno “tem a mente fechada, são gente mal instruída em relação ao Comando”, “querem ser líder deles mesmos, não querem ser comandados”.

Os integrantes dos grupos criminosos locais foram descritos por “J” como sendo hospitaleiros, mas “dificultosos” e “sem disciplina”, o que mostrava que a região no entorno de Belo Horizonte era “carente do Comando”, numa visão quase evangelizadora, de que o PCC deveria oferecer a ordem, a disciplina e a ética ao mundo do crime (Dias, 2011; Biondi, 2014). Para “J”, em Minas Gerais, “não tem valor o que cada um fez em prol do crime! Vamo matar o outro por causa de droga, de tudo, de guerra? É o que mais tem!”. Em outro diálogo, “J” reiterou a carência do Comando e expôs que parte dessa resistência ao PCC, encontrada na RMBH, era culpa do próprio grupo. Afinal, muitos irmãos não orientavam os demais da maneira correta, que ele mesmo havia sido resistente a ingressar para o PCC e somente após entender que o Primeiro Comando da Capital “era um crime diferente, pra lutar contra o estado”, ele aceitou ser batizado.

Ou seja, um dos grandes problemas dos batismos dentro do sistema prisional era a sua qualidade. Vários novos “irmãos” tinham uma relação instrumental, ao invés de solidariedade e reciprocidade, com os demais membros do comando. Além de identificar que nem todos os irmãos entendiam o que seria o PCC, “J” apontou que tinha muito irmão “vacilão”, isto é, que não era capaz de explicar como o batismo era um ritual que simbolizava a transmutação de toda uma vida, com a sujeição do indivíduo a um novo sistema de regras, mas também a um novo modo de pensar (mais racional) e de sentir (menos emocional, posto que a violência é regulada). Neste diálogo, J chega a afirmar que:

Os parceiro lá também não é santo, ce tá ligado? Os parceiro lá também não dá mole. Tanto eles como os parceiro de BH. Presenciei, tá ligado, já várias fitas antes de ser comandeiro. Então, irmão, a gente tem que ir por partes. É uma região muito carente do Comando. Uma região que a gente tem que conquistar, mas no respeito. Não é entrar, e chegar e impor, é propor. (irmão “J” para um integrante do Resumo)

A segunda parte da fala de “J”, de que o PCC não deveria se impor, que deveria conquistar, mas através de proposições é uma manifestação da estratégia escolhida pelo PCC em vários outros momentos e locais: a diplomacia antes da guerra. A principal forma de avanço do PCC sobre outros territórios foi evitando a guerra, mostrando os benefícios de abrir mão da autonomia no mundo do crime (o que significa se sujeitar ao proceder imposto pela organização nas dinâmicas lícitas e ilícitas), para ganhar mais dinheiro e a proteção à violência que resulta em morte (Manso e Dias, 2018). Vejamos, então, o que o nosso material diz sobre a dimensão empresa para, por fim, chegarmos ao comando que evita a Guerra, entre os seus membros, mas a potencializa quando o inimigo é o Estado.

A empresa

A assertividade do tamanho e composição do PCC se mostrou essencial para a gestão do grupo em termos de dimensionamento das formas de obtenção de dinheiro e de distribuição de ajuda. Neste ponto, a exigência de números afinados com a composição real do PCC foi apresentada em uma conferência na qual participaram membros de diversas sintonias em Minas Gerais. Em determinado momento, a precisão do quantitativo de integrantes ingressantes e excluídos foi destacada:

Essa caminhada é mó responsa, cara. Por que todo mês aí os cara tá cobrando essa caminhada, os cara tão puxando a nossa oreia, cara. Por que nós apresenta uma caminhada lá pros parceiro, os cara do Livro apresenta outro pro Resumo. Aí o Resumo vem em nós daquele jeitão.

Na mesma ligação, outro integrante da Geral do Estado da Interna,7 frisou como os dados de entrada e saída são importantes para a face empresarial do PCC, já que significam recursos para as distintas obras, da mesma maneira que enredam responsabilidades administrativas e financeiras. Nas palavras de um dos interlocutores:

(...) já fala pros parceiro na hora que for batismo já passa as caminhada aí. Já atualizar ocê diariamente, pra não acontecer essas caminhada. Batismo e exclusão. Essas caminhadas são duas peças chave dentro do Comando.

Garantir que os batizados iriam colaborar com os negócios do Comando ou seriam expulsos dessa rede é uma outra dimensão que precisa ser considerada para entendimento da “qualidade do batismo”. Por isso, em várias conversas, o sucesso no crescimento do número de integrantes foi contraposto aos problemas financeiros, dada a baixa capacidade de geração de recursos pelo que deveria ser o “PCC mineiro”. Ou seja, ainda que tenha havido um aumento de integrantes no estado, atingido a uma meta necessária, a desorganização das finanças sempre foi apontada como um entrave aos objetivos do PCC:

A quantidade de irmão nos já alcançou, ta ligado? A quantidade de irmão nóis alcançou, só memo falta ali o... só falta o setor da financeira, carai. O setor da financeira tá delicado, irmão. O nível de inadimplência tá alto!

As alterações estruturais do PCC, com a quebra do modelo vertical e centralizado de poder vis-à-vis a especialização em setores, foram contemporâneas ao processo de mudança da percepção do papel “empresarial” do coletivo criminal (Feltran, 2018; Manso e Dias, 2018). Trata-se de uma alteração não somente ideológica, mas estrutural, tendo o tráfico de drogas sido preponderante para a solidificação do viés econômico do PCC. Contudo, o que fica evidente nas conversas é a incapacidade dessa dimensão empresarial em se sustentar em Minas Gerais.

Os principais débitos identificados foram aqueles oriundos: (i) dos jogos (a rifa e o jogo do bicho); (ii) do tráfico de drogas, através da compra no atacado; e (iii) do varejo, nas “bocas de fumo”. Todos esses recursos não eram arrecadados adequadamente porque ou os negócios estavam sendo precariamente administrados (gerando prejuízos), ou os seus gestores não repassavam o que era devido ao PCC (o que seria uma espécie de sonegação). Essa incapacidade financeira do PCC mineiro pode ser apontada como o calcanhar de Aquiles do comando. Afinal, mostrar capacidade de comando significa também ter autonomia financeira, ou seja, não depender de repasses vindos de São Paulo para custear as atividades do Comando em terras mineiras. O problema do setor financeiro em Minas Gerais, apontado em diversas conversas como sendo a inadimplência, também foi abordado na “R” citada acima, pelo mesmo integrante da Geral do Estado da Interna:

Por que a inadimplência no estado tá muita, nós não tá andando, família, e se nós tiver que punir, nós vai punir. Se nós tiver que conduzir, nós vai conduzir. Se nós tiver que ajudar, nós vai ajudar. Aquele irmão ali, que não tiver condição de pagar o trabalho, tá ligado, que nós ver que ele é merecedor, que não fica metendo BO nem nada, nós vai trocar um papo com os brother da financeira, porque o Comando é justo. Mas aquele irmão ali que não tiver fazendo jus ao seu trabalho, ta metendo BO, tá ligado? Ficar negando voz, tá ligado, ficando falando TR pra lá, que não sei o que pra lá, ficar fazendo os irmão aí do quadro, tá ligado, até de bobo, vai ser inadmissível. (J, integrante da Geral do Estado)

A postura do “liderança”, como são chamados os integrantes da mais alta sintonia do estado, adquiriu um tom mais enérgico diante da situação de não pagamento dos débitos, ameaçando conduzir os devedores, levando-os para serem julgados diante do código disciplinar do PCC. Apesar disso, a opção pela diplomacia não foi abandonada, uma vez que, diante do irmão de correto proceder, que seja merecedor, o Comando não seria injusto e a dívida seria discutida. Voltamos, assim, à regulação do poder de matar, que parece ser a faceta mais questionável do PCC em Minas Gerais.

O comando

Nos áudios analisados, foram identificadas três situações em que a diplomacia foi buscada para resolver pontos de tensão entre o PCC e grupos criminais de BH. Dois casos foram contados quando os irmãos se lembraram de como a paz foi buscada para ser a solução do problema entre o PCC e os criminosos de BH. Nas lembranças de “H, em 2016, quase houve um conflito armado no Complexo Penitenciário Nelson Hungria, exigindo que a diplomacia fosse chancelada pelo diretor da unidade. Na história contada por “H”, “PXJ”, integrante do PCC, tinha tido um problema pessoal com “XZK”, preso por tráfico de drogas e que era uma liderança de um aglomerado de BH, e usou isso para pedir autorização para se armar contando que “tô correndo risco de vida, bagulho aqui tá doido (...), aí queria um aval pra nóis se armá, se os cara vim pra cima, nós pega esses cara”.

Uma das primeiras ações do PCC dentro das unidades prisionais foi o controle das armas e a gestão da violência entre os presos (Biondi, 2009; Dias, 2011), o que, pelo relatado acima, indica que isso também teria ocorrido na Nelson Hungria. Segundo “H”, o aval para a utilização de uma arma de fogo teria sido dado por um integrante que não tinha autoridade dentro do grupo para isso. “H” afirmou que ficou sabendo do conflito iminente depois que o outro lado, composto pelo grupo de Belo Horizonte, teve conhecimento da autorização para que os membros do PCC se armassem.

Diante do risco do conflito, e ciente de que o PCC estaria em menor número e com menor poder bélico, a opção foi pela diplomacia. Primeiro, procurando os outros presos ligados a “XZK”. E, depois, com o próprio “XZK” costurando um acordo de paz e deixando a critério dele a possibilidade de punição interna. A paz teria sido selada com a participação do diretor da unidade prisional, que teria retirado dois presos de cada lado para resolver o problema em uma reunião. Essa história foi relembrada por “H” durante uma conversa para reforçar os benefícios da diplomacia que, ao contrário da violência, impede um banho de sangue. Todavia, um fato ocorrido à época das interceptações reforça o estranhamento daqueles que compartilham a disciplina do PCC diante de como é a dinâmica dos grupos e entre os grupos criminais da RMBH.

Em julho de 2018, uma cunhada ligou para o integrante “J” pedindo por ajuda. Com a voz chorosa, relatou que era companheira do irmão “ZW” há doze anos e estava na fila para a visita na unidade prisional quando discutiu com a esposa de “NHT”, preso por tráfico de drogas e líder de um grande aglomerado de BH. Após a discussão, a companheira de “ZW” visitou o companheiro na unidade prisional e, na saída do estabelecimento, encontrou com a esposa de “NHT”, que já estava preparada para o confronto: descalça, de cabelos presos e a chamando para a briga. A cunhada relatou ter dito que não brigaria, mas foi agredida com um soco no olho, na frente do filho.

Durante o relato, a companheira de “ZW” foi tecendo comentários sobre o comportamento da esposa de “NHT” e como o fato seria resolvido se fosse em São Paulo, revelando como a disciplina do PCC moldou o comportamento extramuros e a expectativa desse, não só entre os seus membros, mas também entre os familiares. A esposa de “NHT” foi descrita como sendo “bicho solto”, que não seria de “facção nenhuma” e que, pelo comportamento violento, viu que a mulher não tinha “nenhuma instrução”. A reclamante estranhou a ausência de qualquer esfera de mediação de conflito e a decisão da adversária em partir para o ato violento sem qualquer autorização, sem ter sido discutida e construída por um ente externo legitimado.

A busca pelo controle da violência por parte do PCC estava tão presente na visão de mundo da cunhada (já que companheira do irmão “ZW”) que, ao expressar que queria matar a agressora, pediu desculpas ao Geral do Estado. Contudo, a abordagem do irmão da Geral do Estado respondeu ao contexto local, a uma tentativa de evitar confrontos, dizendo que não conseguiria “cobrar” (aplicar algum tipo de sanção) ninguém na rua, somente “dentro do sistema” (prisional). A todo tempo “J”, que ouvia o relato da cunhada, destacou como em Minas Gerais os criminosos eram indisciplinados e que isso refletiria em suas esposas. No entanto, “NHT”, marido da agressora, era um “cara exemplo”, e a vítima deveria buscar o entendimento antes de pleitear o uso da violência contra a agressora.

A busca por uma composição pacífica foi reiterada por “J”, ao ser procurado por “ZW”, o integrante do PCC marido da agredida, que exigia a presença de “NHT” na linha do telefone, para prestar esclarecimentos. Diante da possibilidade do não comparecimento de “NHT”, “J” ameaçou usar a violência contra o detento, proposta que não foi bem recebida. Com isso, uma composição diplomática foi reiterada:

J: Oh irmão, não entra não irmão! Cê pode ter certeza, não adianta cê vir com ideia de São Paulo aqui dentro de Minas Gerais que vai entrar, que não vai não, que não entra não! Eu também sou comandeiro, no dia que eu cismar de não entrar numa linha com um irmão eu não entro não, irmão! Eu não sou obrigado não! Tô querendo te mostrar que os cara é companheiro, os cara não é com nóis. Nóis tem que ir devagar, tá ligado? Por que não é cadeia nossa. Não é barato nosso aqui...

A opção pela diplomacia se mostrou como uma estratégia não só de expansão, evitando conflitos e buscando a difusão do conteúdo ideológico do PCC, mas também de sobrevivência, dado o risco dos membros do PCC sofrerem violência por outros grupos, mesmo aqueles que não são inimigos declarados. Na RMBH foi dito que não era possível cobrar ninguém na rua e, mesmo dentro do sistema prisional, foi percebido que adotavam a cautela diante de integrantes de gangues e bondes locais. Portanto, o relacionamento não hostil do PCC com os presos da RMBH oscilou entre o convívio sem maiores incidentes e uma paz armada, na qual os dois lados estiveram prontos para o enfrentamento, mas evitaram os confrontos em nome da preservação mútua, principalmente por parte dos integrantes do PCC, que estavam em menor número.

Da mesma forma que o PCC tendeu a optar pela diplomacia nas relações com outros grupos criminais, o material mostrou que, nas interações com o Estado, a prática era a mesma: gerenciar as tensões e evitar o confronto. Como estratégias pacíficas de atuação contra o Estado foram identificadas duas ações, uma por parte direta dos presos, através do que eles chamaram de “paralisação”; e as manifestações nas portas dos fóruns, composta por familiares e, em algumas cidades, por pessoas apontadas nos áudios como tendo sido enviadas por lideranças do crime local.

As paralisações foram tentativas de mobilização pacífica dentro das unidades prisionais, nas quais os detentos se recusaram a sair das celas para qualquer atividade, desde o banho de sol até o comparecimento aos médicos e compromissos judiciais. O ato de desobediência estava proposto para o mês de julho de 2018 e a Geral do Estado articula a ação “pegando em todas as unidade as opressão, as caminhada que tem, pra nós fazer uma paralisação no estado inteiro agora” (irmão K, da Geral do Estado).

A ideia era protestar contra a opressão do sistema carcerário em Minas Gerais, que foi descrita com episódios de má qualidade da alimentação, constrangimento das visitas e agressões aos internos. As dificuldades de integrar os outros presos não vinculados ao PCC ficou clara nesses casos: eles não aceitavam a liderança, “queriam ser líderes deles mesmos” e acabaram por não respeitar o planejado, saindo para o banho de sol, para as consultas médicas e para os atendimentos jurídicos, frustrando o impacto da ação.

Se a primeira tentativa de mobilização tinha como foco os problemas enfrentados pelos presos nas unidades mineiras, a seguinte, ainda em julho de 2018, tinha como proposta uma ação chamada de “manifestação pacífica”, que foi articulada para ocorrer em todo o território nacional. Essa mobilização foi organizada para ser executada pelos membros do PCC da rua e tinha como objetivo, segundo o salve citado na investigação, de se opor às “arbitrariedades cometidas por agentes das penitenciárias federais sob a conivência das autoridades administrativas e jurídicas”. O salve não era assinado pelo PCC, mas pela “massa carcerária nacional”. No entanto, o título já apontava o envolvimento do grupo pelos termos usados: “Comunicado geral interna data 20/08/18”. Esse salve circulou através de aplicativo de mensagens entre os membros do Primeiro Comando da Capital. A estratégia de não assinar o documento como PCC pode ter sido uma tentativa de arregimentar um maior número de participantes, contornando a resistência daqueles que, apesar de não serem inimigos, não se somavam nas ações do grupo, como havia ocorrido durante as paralisações. Por uma razão ou outra, percebe-se uma tentativa de controlar o escasso recurso de participação política, apresentando-se como o grupo legítimo a estabelecer diálogo com o Estado.

Era desejo dos manifestantes que as reivindicações chegassem nas secretarias de cada estado e até em Brasília para a solução dos problemas, uma vez que “estavam saturados dessa opressão e procurando o diálogo”. Em Minas Gerais, as tratativas para a mobilização dos familiares paralisaram até mesmo as rotinas do PCC no estado, suspendendo os atos disciplinares na tentativa de reunir o maior número de apoiadores para o ato. Conforme o salve circulado em 17/07/2018.

Boa noite irmãos em geral nos queria ver com todos os PV e anexo pra tá fechando responsa nos PV e anexo da unidade pra nos tá marcando a manifestação na porta da unidade e na porta do fórum com cartaz e chamar a imprensa e rádio Itatiaia pra acompanhar a manifestação.

A investigação policial indicou o resultado das ações: em Contagem houve uma manifestação composta por aproximadamente quarenta pessoas, lideradas pela esposa do irmão que havia prometido o envio de três ônibus com manifestantes. Duas outras mobilizações foram no sul de Minas, mas em municípios menores do que aqueles esperados. A baixa adesão às mobilizações pacíficas não pode ser entendida como decorrente somente da dificuldade do PCC em estabelecer vínculos e poder de convencimento sobre o restante da população carcerária. Até mesmo dentro do grupo havia vozes dissonantes quanto ao método de abordagem das pautas reivindicatórias. Durante os preparativos para as mobilizações, um integrante da Geral do Sistema questionou a postura da Geral do Estado em optar pela paralisação, dizendo que a ação pacífica não adiantaria, pois elas já teriam sido feitas em diversas outras ocasiões e nada mudou, só os presos perderam benefícios.

Uma proposta para as ações não pacíficas, que deveriam ocorrer após as manifestações, era o que denominaram à época como “baile funk”: “arrumar uns parceiros na rua, pegar uns carro roubado, uns barato, uns brinquedinho...”. A estrutura preparada para o “baile” se assemelhava ao padrão identificado nas ações contra os equipamentos públicos, principalmente os ônibus, ocorridas em junho daquele mesmo ano. Consta no relatório de investigação que, durante esses ataques, um salve foi emitido, e difundido por WhatsApp, apontando a violência no sistema prisional como causa para o “baile” ocorrido à época.

O salve trouxe também uma outra opção, que já era debatida pelas sintonias do PCC em Minas Gerais, para a interação com o Estado: “fazê-lo sangrar”. O agravamento daquilo que os membros do PCC percebiam como opressão do Estado trouxe aos diálogos entre os irmãos a alternativa de “derrubar umas árvores na rua”, frase que significava atacar servidores da segurança pública. Contudo, a escolha pelo ataque violento ao Estado foi identificada como sendo vocalizada por um grupo minoritário, e mesmo as tentativas de ataques às forças de segurança por parte do PCC em Minas Gerais, encontraram dificuldades na própria estruturação e precarização do grupo em território mineiro.

Considerações finais

A análise apresentada neste texto mostra como os grupos criminais mineiros são as gangues territoriais em um polo, no qual o uso da violência e das armas de fogo é muito mais presente que no outro extremo, onde estão os grupos criminosos mais organizados, controlando o uso de armas de fogo e dos homicídios como meios de solução de disputas, além de apresentarem hegemonia territorial. Enquanto o PCC mobiliza categorias como desorganização, indisciplina e livre violência para descrever os outros grupos existentes em Minas Gerais, quais sejam, os presos não batizados; estes acionam imagens contrárias à visão à disciplina do Comando, à subordinação e ao controle, que trariam mais desvantagens que vantagens.

Para os integrantes do PCC, gravados na investigação policial que serviu de base para essa pesquisa, os presos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) não batizados eram indisciplinados, carentes de ordem e disciplina, possuidores de mentes fechadas e que optaram pela resolução violenta de conflitos por qualquer motivo, estando em estado de guerra a todo o tempo. Eram homens que viam na violência e na independência um elemento essencial da masculinidade, razão pela qual eles não poderiam se sujeitar a outras regras. Um comportamento dessa natureza seria ser feminino, numa realidade que não admite essa sujeição, posto que isso leva ao descrédito do papel representado.

Não à toa, alguns sujeitos presos e apontados como lideranças de aglomerados de Belo Horizonte eram constantemente citados pelos “irmãos” em posição de “sintonia” do PCC como exemplos de guerreiros, posto que independentes para usar seu poder de fogo e para gerar dinheiro, fatores potencialmente ameaçantes para o PCC. Por essa razão, eles deveriam ser cooptados para se evitar a guerra, o que seria a face do comando, sobre a qual a maior parte dos áudios se dedicava e tencionava. Em última instância, são conversas que falam de uma dinâmica de masculinidade que precisa ser revista, mas somente no convívio com os “irmãos”, que passa a ser regulado pela “diplomacia”.

Se a (des)organização do crime em Minas Gerais pode ser explicada por uma lógica de masculinidade como a visível no Rio de Janeiro (Penglase, 2010), ela está longe de poder ser representada como um avanço. Trata-se, na verdade, da reprodução da dinâmica patriarcal, mas o grupo que se sujeita ao domínio do outro é sempre visto como fraco e feminino, numa lógica inversa à tematizada pelos interlocutores de Sander (2021). Portanto, um dos obstáculos à institucionalização do PCC em Minas Gerais é a masculinidade primitiva, que ao invés de focalizar na racionalidade dada pelo capitalismo, voltada para a expansão dos negócios, arregimentação de novos sócios e pouca visibilidade do comércio ilegal (o que levaria à institucionalização das facetas empresariais e do comando), o que mobiliza os “bandidos” mineiros é a possibilidade de acertar as contas da maneira que eles bem quiserem, tal como pressupõe a ideia de masculinidade à qual eles ainda se vinculam.

Referências

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1 Trabalho produzido com o apoio do CNPq (auxílio 406273/2021-9)

2 Tabuleiro, na linguagem nativa do PCC, é o nome dado à listagem organizada pela facção para a definição sobre quem viverá ou morrerá. É uma maneira de organizar os famosos “tribunais”, cujo nome se assemelha ao jurídico, uma vez que ofendido e ofensores, além de testemunhas, são chamados a depor diante de pessoas que têm posição de comando na facção para se decidir qual será o destino do sujeito (Feltran, 2018).

3 Feminina do estado é o nome dado pelo PCC às mulheres que ocupam função de destaque dentro da facção, as quais estão ligadas sobremaneira às atividades de (i) envio e recebimento de mensagens, haja vista que elas são as principais visitantes do sistema prisional e, por isso, podem funcionar como vasos comunicantes entre a prisão e a periferia (Godói, 2015) e (ii) finanças, especialmente, na qualidade de tesoureiras, já que elas seriam mais confiáveis e organizadas (como pressupõem as funcionalidades morais do gênero) e, assim, garantiriam maiores lucros para a facção (Gonçalves, 2022)

4 De acordo com a própria cartilha do PCC, o sintonia seria aquele “irmão coordenador”, numa analogia ao simbolismo da maçonaria feito por Feltran (2018). Quem ocupa essa posição deve lembrar constantemente aos irmãos e simpatizantes os lemas da facção (sobretudo, paz entre os ladrões e guerra contra o sistema), de como a vida era sofrida antes da institucionalização do comando (com guerras dentro do sistema prisional, precariedade na vida dos familiares e mortes nas periferias), razão pela qual os irmãos devem se unir e lutar pela expansão do PCC. Já a “sintonia restrita” é responsável por lidar com questões sigilosas, ou de grande relevância no estado, razão pela qual ela é vista como a célula responsável por tomar as decisões mais estratégicas da facção.

5 Geralmente, é um bilhete escrito pelo comando do PCC que tem como objetivo informar a todos os membros e simpatizantes do Comando sobre alguma decisão estratégica tomada, algum tipo de ação que será realizada, ou ainda, da importância de um dado comportamento moralmente relevante para a facção, o qual é denominado de proceder (Manso e Dias, 2018).

6 Os quantitativos de membros do PCC advêm de origens diversas: para o ano de 2009, os dados são oriundos do trabalho de quantificação feito pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), ao passo que, em 2011, a origem foi a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG); em 2016, o Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública (CIISP), órgão colegiado vinculado à Secretaria de Estado de Segurança Pública – SESP. Já os dados de 2017 foram cedidos pela Diretoria de Inteligência e Informação Policial da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) e, por fim, os dados de 2018 foram registrados pela 1ª Delegacia de Repressão a Ação Criminosa Organizada da PCMG, unidade responsável pela investigação da fonte dessa pesquisa.

7 Comissão, em regra, formada por cinco presos que se ocupam do controle do comportamento (em termos de proceder) daqueles que estão privados de liberdade. Tem por objetivo garantir o cumprimento da moral da facção e evitar a corrupção dos irmãos.