Segurança híbrida, privatização e exclusão reativa dos espaços públicos no carnaval

Pedro Oliveira y Eduardo Paes-Machado

Resumo 1

O trabalho discute as formas e as consequências da atuação das firmas de segurança híbrida, no policiamento do Carnaval e dos desfiles dos grupos organizados ou blocos carnavalescos pelos espaços públicos. Analisa dados provenientes de entrevistas, observação direta e participantes. Argumenta que estas firmas acionam táticas duras ou coercitivas para garantirem o bem estar dos foliões (fiesteros) associados, bloquearem o acesso aos perímetros internos dos blocos, dificultarem a permanência e até obstruírem a circulação dos foliões não associados (ou pipocas) nos espaços públicos. Afirma que esta governança, mediante a regulação e controle de espaços e fluxos de pessoas, está fundada em poderes de exclusão, rejeição e remoção de indivíduos e grupos que diluem os limites divisórios entre os modos públicos e privados de regulação destes espaços. Defende a ampliação e o aprofundamento de medidas, visando a descentralização espacial, a redução da densidade e a melhoria da gestão da multidão, a fim de aumentar a segurança para os amplos segmentos de foliões do Carnaval de Salvador.

Palavras-chave: Carnaval; segurança híbrida; táticas coercitivas; privatização dos espaços públicos; exclusão social

Instituto Federal de Educação. Camaçari, Bahía, Brasil. E-mail: poj.ufba@gmail.com. ORCID: 0000-0003-1186-2418

Universidade Federal da Bahía. Salvador, Brasil. E-mail: epaesm@gmail.com. ORCID: 0000-0001-6092-0464

Recibido: 23/07/2021 Aceptado: 08/09/2021

Hybrid security, privatisation and reactive exclusion of public spaces in the carnival

Abstract

This paper discusses the activities of hybrid security firms that serves Carnival blocos parades and their paying revelers in Salvador, Brasil. It analyzes data from interviews, direct and participant observation, and documents. It verifies the organization, the division of work, and the co2nnections between these security firms these and police forces. It shows the influence of the security technology used to isolate, move, and expand those Carnival blocos on the hard tactics and harsh crowd control implemented by security personnel. It shows that, while this security strategy threatens the basic rights of assembly, movement, and expression of revelers not associated to a Carnival bloco, it also privatizes the access and use of public spaces. It concludes that this governance, regulation and control founded on powers of exclusion, rejection, and removal of individuals and groups intensifies the dilution of the border between public and private modes of regulation of these spaces. Advocate for broader measures aiming at spatial decentralizing, reduction of the density, and therefore improving the management of crowds and the security of that fun for the participants of Carnival

Keywords: Carnival; hybrid security; coercive tátics; privatisation of public spaces; social exclusion

Introdução

Amplamente estudado como uma manifestação sincrética de tradições e estilos culturais e um momento fundamental de alegria, reconciliação e dramatização de diferenças sociorraciais (DaMatta, 1978; Risério, 1981; Ortiz, 2001), o Carnaval brasileiro levanta questões de segurança que não têm merecido a mesma atenção. Isto se aplica ao Carnaval de Salvador, que dura seis dias, reúne mais de um milhão de pessoas, mobiliza 9000 policiais e muitos milhares mais de seguranças particulares, e que tem sido acompanhado pelo crescimento e diversificação da oferta e demanda de serviços de segurança.

O Carnaval brasileiro é uma celebração que remonta às tradições pagãs e medievais (Bakhtin, 2013; LaDurie, 2002) transplantadas, adaptadas e mescladas com influências africanas e indígenas, e que se tornou preferida por vastos segmentos da população do país. A coexistência, por vezes desejada e descontraída, por vezes temida e tensa, de diferentes segmentos sociorraciais e geracionais nos espaços festivos, tem se manifestado ao longo do tempo em tendências deles continuarem misturados ou se separarem conforme os períodos e conjunturas.

Nessa linha, a invenção do trio elétrico, mediante a conversão de veículos em palcos móveis para bandas populares de música na década de 1950, favoreceu a mistura social ao reduzir a importância das celebrações fechadas em clubes sociais e valorizar os festejos nas ruas (Miguez; Loiola, 2011) estreitas, sinuosa e, por vezes, acidentadas de Salvador – capital do Estado da Bahia, cidade mais antiga e primeira capital do país, com um população atual de três milhões de pessoas.

Impulsionado no final dos anos 60 e na década de 1970, pelos movimentos de contracultura, shows de artistas famosos, manifestações de orgulho e do movimento negro, entre outras expressões identitárias, os festejos ganharam novos e persistentes contornos. Ao tempo que o trio elétrico se tornou uma plataforma de marcas comerciais e promoção de artistas, ele contribuiu para o aumento do prestígio e a mercantilização da festa (Farias, 2011). Como parte deste processo, a criação de ritmos musicais próprios, como o samba-reggae e o axé, influenciou na multiplicação de diferentes grupos ou blocos de foliões ou fiesteros. Entre estes, estão os blocos cercados de cordas, formados por moradores de bairros tradicionais da cidade, em especial, por jovens empreendedores de classe média.

O crescimento destas entidades satisfez expectativas de segurança e conforto de segmentos sociais abonados, que trocaram os bailes dos clubes sociais pelo carnaval mais empolgante e arriscado das ruas. Estes blocos também se tornaram importantes para segmentos sociais menos abonados nas décadas seguintes, por conta do dramático crescimento da densidade da multidão nas ruas, do gerenciamento policial insuficiente e da resultante insegurança ambiental (Lourenço, 2019). Neste sentido, os blocos com corda devem ser vistos como um arranjo privado para satisfazer a demanda desses foliões por diversão nas ruas sem risco de serem importunados ou ameaçados pelas multidão carnavalesca.

Além das demandas de segurança e conforto, os foliões se associam aos blocos com corda por motivos de pertencimento, desfrute de atrações musicais preferidas e oportunidades de encontros. Como fruto destas motivações, mas também da diversidade sociocultural e das estratégias mercadológicas das entidades, desenvolveram-se agrupamentos variados, como os famosos blocos negros do Olodum e Ilê Ayê, que têm se destacado pela luta antirracista e a valorização da numerosa população negra de Salvador.

No entanto, as vantagens do pertencimento aos blocos com corda não se limitam à provisão de espaços protegidos e entretenimento musical. Como o funcionamento deles depende da permanência dos foliões associados no interior das cordas, os blocos, em especial, os mais caros e elitizados disponibilizam uma estrutura de serviços concentrada em um carro de apoio próximo ao trio elétrico. Ele oferece banheiros, posto médico, sala de segurança, sala VIP e outros serviços. As bebidas também podem ser compradas em diferentes pontos dentro da corda. Em outros termos, os blocos com corda se tornaram empresas cujo faturamento tem sido proveniente de patrocínios de empresas e órgãos públicos3, assim como do pagamento de taxas de filiação por centenas e milhares de foliões para estes poderem ter acesso e o direito de participar nos festejos realizados nesses espaços cercados.

Conquanto esta e outras transformações tenham diversificado os modelos de provisão de segurança durante o Carnaval (Maia, 2008; Melo, 2009; Cabral; Krane; Dantas, 2013; Oliveira, 2019), o foco do presente trabalho é as diferentes maneiras de “policiamento” do Carnaval de Salvador, em especial o modo como o acesso e uso dos espaços públicos têm sido privatizados pela segurança dos blocos com corda. Quanto à organização deste artigo, além das seções introdutória, da revisão da literatura e da metodologia, ele contem seis seções adicionais: as relações entre foliões não associados e associados, a segurança híbrida dos blocos, o modelo de segurança, as táticas excludentes, forma de coordenação entre a segurança interna e as forças policiais, as reações negativas dos foliões não associados, e as considerações finais.

Revisão da literatura sobre as atividades da segurança privada nos espaços públicos

Após se estabelecerem e consolidarem no seio das chamadas propriedades privadas massificadas (Shearing; Stenning, 1981), dos espaços comunais (Kempa; Stenning; Wood, 2004) ou espaços híbridos (Kempa et al., 1999), as firmas de segurança privada têm estendido suas atividades aos espaços públicos abertos (Jones; Newburn, 1998). Trata-se de um deslocamento que tem alterado importantes características destas firmas em termos de poder ou capacidade de ordenamento social destes espaços, mudanças no estilo de prestação dos serviços e parceria com as forças policiais, e diferentes impactos negativos sobre os direitos civis e garantias de segmentos sociais considerados inoportunos ou indesejáveis.

Entre os estudiosos que tem investigado este fenômeno, que altera a organização, a percepção e o reconhecimento dos espaços urbanos, Kammersgaard (2019) abordou as formas e os impactos da atuação de seguranças particulares na vigilância de uma praça de Copenhagen. Na perspectiva de compreender as consequências desta atuação, o autor considera de fundamental importância entender os poderes e os recursos empregados por estas firmas na vigilância e contenção de pessoas. Um ponto chave salientado do tema é o flagrante descompasso entre: de um lado, a falta de autoridade legal destas empresas para atuarem nestes espaços comuns e, de outro, o controle considerável que elas exercem sobre as transações que neles se desenvolvem. Como parte deste quadro institucional, mas também da mentalidade vigente e das tecnologias empregadas, os mesmos seguranças particulares têm estimulado a chamada exclusão preventiva de frequentadores estigmatizados da praça mediante a limitação da mobilidade, por meio do estabelecimento de critérios de acesso e a remoção de pessoas. Conquanto esta atuação seja marcada pelo uso de métodos brandos, ela gerou resistências e protestos destes usuários do logradouro público em tela.

Por sua vez, Markwick et al. (2015) também retratam o impacto excludente dos serviços de segurança privada, no estudo sobre a ampliação das áreas patrulhadas por seguranças particulares em Vancouver, Canadá. A exemplo do que tem ocorrido em outros lugares, esta expansão foi realizada com o objetivo explícito de manutenção da ordem pública para aumentar a mercantilização e as oportunidades comerciais, com pouca supervisão governamental e em detrimento de grupos estruturalmente vulneráveis (Markwick et al., 2015). Ainda segundo os autores, as táticas de policiamento implementadas pelos agentes de segurança, como a vigilância e o uso da violência, produzem exclusão espacial e impactos imediatos sobre a saúde daqueles grupos vulneráveis, incluindo lesões pessoais graves e a redução do acesso dos usuários de drogas aos cuidados e tratamentos de saúde (Markwick et al., 2015; Wood, 2020).

Ao examinar as características do policiamento privado de áreas comerciais situadas em espaços públicos da Alemanha, Eick (2012) observa que o gerenciamento privado, fundado em redes híbridas, destas áreas comuns mina a liberdade de expressão e ameaça os princípios de liberdade, abertura e acesso democrático àqueles espaços. Em uma linha similar, Walby e Lippert (2011) abordam a regulação e as intervenções excludentes de uma rede de agências, públicas e privadas, sobre grupos em situação de rua, que usam espaços comuns na cidade de Ottawa, Canadá. Ao mostrar como este tipo de procedimento catalisa as desigualdade e cria uma geografia de exclusão, os autores focam a tática de dispersão acionada por esta rede de policiamento para remover tais moradores de lugares históricos e turísticos da cidade. Apesar destes dois últimos estudos (Eick, 2012; Walby; Lippert, 2011) apontarem a existência e operação de redes híbridas ou fundadas na interpenetração de diferentes agências (De Maillard; Zagrodzki, 2015) nos casos em tela, eles não examinam as características e efeitos destes laços.

Na sua abordagem das modalidades de controle e regulação dos espaços públicos por interesses privados, Crawford (2011) argumenta que as estratégias e tecnologias de exclusão espacial preventivas impulsionam a privatização e impregnam a governança de espaços públicos que são tratados como produtos, marcas comerciais (Crawford, 2011) ou meios de acumulação de capital. Dado que a segurança é um bem posicional definido pela riqueza, acesso aos serviços de proteção e filiação a estes locais, tais relações constituem um poderoso modo de controle dos mesmos. Nesse sentido, e sem ignorar a disseminação de artefatos materiais e simbólicos associados com a proteção da propriedade privada – a exemplo de muros, portões e guardas –, o autor considera necessário levar em conta os processos de governança e controle fundados em poderes de exclusão, rejeição e expulsão de indivíduos e grupos, processos estes que terminam diluindo a separação entre os modos público e privado de regulação (Crawford, 2011).

Em contraste com estes estudos efetuados em contextos nacionais, marcados pelo policiamento democrático, Berg (2010) também examina o aumento dos poderes e recursos, e as ambiguidades criadas pela crescente atuação da segurança privada em espaços públicos da África do Sul. Assim, para aprofundar a discussão acerca das interrelações entre a segurança privada e o policiamento público, Berg (2010) aborda as mudanças de mentalidade ligadas tanto a este aumento do poder, dos recursos, como a presença das firmas de segurança privada nos espaços comuns daquele país.

Levando em conta o fato que esta segurança privada foi reinventada e reimaginada à imagem e semelhança do Estado sul-africano, a autora analisa o que ela denomina de mistura de mentalidades entre o policiamento privado e público. Neste sentido, a segurança privada focada na redução de danos incorporou as noções de coerção e controle do crime que caracterizam o policiamento público. Conquanto aquela continue a realizar suas tarefas costumeiras de vigilância, ela assume atividades adicionais que vão além da exclusão preventiva de pessoas (Crawford, 2011; Eick, 2012; Kammersgaard, 2019). Tais atividades incluem a aplicação da lei mediante o policiamento duro, o emprego da coerção física e as demonstrações de força efetiva e potencial, que ampliam os grupos visados por este tipo de policiamento. Em outros termos, a junção das dimensões da vigilância, do monitoramento e da aplicação da lei nos espaços públicos tem se tornado o objeto e foco dessas firmas de segurança privada.

A discussão proposta por Berg (2010) contribui para pensar sobre as atividades destas firmas em países como o Brasil, onde se verifica uma ampla e profunda mistura, interpenetração ou hibridismo entre a segurança privada e as forças policiais. Isso se dá tanto em termos de mentalidade, como de fluxo de operadores entre ambos os segmentos e a existência de numerosas empresas pertencentes aos policiais (Huggins, 2010; Zanetic, 2010). Ora, além de aumentar a visibilidade e a legitimidade dos seguranças particulares, tal interpenetração maximiza os poderes assumidos e implementados pelas empresas de segurança para governar, regular e controlar os espaços públicos abertos, e também violar direitos e garantias individuais (Lopes, 2020).

Neste artigo, nós examinamos as formas e impactos da atuação de empresas híbridas de segurança nos desfiles de blocos com cordas e nos espaços públicos durante o Carnaval de Salvador. Nós mostramos a influência deste hibridismo no modelo paramilitar de segurança adotado pelas entidades carnavalescas. Por essa via, nós argumentamos que estas firmas, majoritariamente controladas por policiais e operadas por pessoal terceirizado, acionam táticas duras ou coercitivas para garantirem o bem estar e tranquilidade dos foliões associados. Além destas táticas bloquearem o acesso aos perímetros internos dos blocos, elas dificultam a permanência e obstruem a circulação dos foliões não associados ou pipocas nos espaços públicos. Sob esta perspectiva, tais empresas híbridas desenvolvem atividades que simultaneamente produzem a privatização do acesso e uso de áreas comuns, a exclusão socioespacial da amplos segmentos de foliões não associados e, consequentemente, reações negativas destes contra esta exclusão.

Trabalho de campo

O presente artigo consiste em um recorte de uma investigação mais ampla acerca da segurança e do policiamento da multidão no Carnaval de Salvador (Oliveira, 2019). Tal investigação foi desenvolvida entre os anos de 2013 e 2019, mediante a combinação de técnicas de observação direta e participante, e entrevistas semiestruturadas. Contudo, durante o ano de 2020 foram realizadas entrevistas semiestruturadas adicionais, focadas nos blocos com corda, visando aprofundar e detalhar o conhecimento sobre as formas e consequências da atuação da segurança destas entidades carnavalescas.

Durante a observação participante, um dos pesquisadores integrou a multidão carnavalesca como folião associado e também folião pipoca, para poder compreender os sentidos compartilhados pelos foliões. Concomitantemente à observação participante, o estudo utilizou a observação direta. Esta modalidade de observação foi conduzida de um camarote elevado para focar um número grande e variado de eventos que se desenrolavam na rua. Além do registro manuscrito e em áudio dos eventos, o pesquisador produziu diários de campo gravados em vídeos e posteriormente transcritos. O trabalho de campo contabilizou 160 horas de observações registradas em vídeos.

Já as entrevistas semiestruturadas foram realizadas com a finalidade de desenvolver os achados das observações. Nesse sentido, uma amostra de conveniência, composta por 47 indivíduos, que incluíram 7 seguranças, 10 policiais e 30 foliões associados e não associados de blocos, foi construída. Ademais, na fase da pesquisa centralizada na segurança dos blocos com corda, 21 novas entrevistas foram conduzidas com o seguinte público: um dono de bloco, 5 seguranças e 15 foliões associados e não associados. Somando ambos os conjuntos de depoentes se buscou a diversidade em termos de idade, escolaridade, raça, sexo, orientação sexual. No que tange aos seguranças, os entrevistados atuavam como auxiliares ou cordeiros, agentes de segurança e coordenadores de equipes nos blocos. Vale esclarecer que os pesquisadores não lograram acesso aos donos ou responsáveis pelas empresas provedoras de serviços de segurança. Com relação às forças policiais, os depoentes pertenciam às Polícias Militar (PM) e Civil (PC), e à Guarda Municipal (GM). Todas as entrevistas foram gravadas e tiveram uma duração média de 15 minutos a 1 uma hora e 30 minutos cada uma. Elas foram realizadas na Universidade Federal da Bahia, em centros comerciais, em locais de trabalho, em bares, em residências e automóveis dos entrevistados, e conversas online.

Foliões associados versus foliões não associados (ou pipocas)

Ao tempo que a expansão dos blocos com corda marcou um aumento da comercialização e diferenciação social do Carnaval de Salvador, tal expansão intensificou a segregação socioespacial da festa e o fracionamento da multidão em diferentes categorias de foliões e blocos carnavalescos.

Os foliões não associados aos blocos com corda são pessoas que curtem o Carnaval, como espectadoras, mas também como participantes ativos, em alguns momentos, da folia animada pelos blocos sem corda ou mesmo acompanhando, do lado de fora, os blocos com corda. As evidências indicam que a maioria destes foliões é formada por trabalhadores pobres e negros, autônomos, informais ou assalariados que não possuem condições financeiras para pagar pela filiação aos blocos com corda. Em muitos casos, tais foliões, que vão para a rua sem fantasias, adereços e penteados carnavalescos, formam grupos integrados por parentes, amigos e conhecidos oriundos dos mesmos bairros populares de Salvador.

Em contraste, os foliões associados aos blocos são pessoas que escolhem pagar por uma fantasia ou camisa de bloco (abadá) para brincarem o Carnaval com mais tranquilidade e segurança. Eles costumam pular o Carnaval durante o desfile dos seus blocos, porém após o término deste podem se tornar meros espectadores dos desfiles das demais entidades. A maioria é formada por indivíduos brancos e de condições financeiras modestas, médias ou elevadas.

Com respeito a tais blocos com corda, estes selecionam seus membros a partir de expectativa de encontros e celebrações fundados em critérios de classe, raça, idade, gênero. Levando em conta estas distinções, assim como as relações com os foliões pipocas, as quarenta entidades, que têm desfilado pelas ruas de Salvador, podem ser classificadas em populares, acessíveis e elitizadas.

Os blocos populares ou de tamanho pequeno congregam membros com características sociorraciais e expressões corporais que se assemelham às dos foliões pipocas, predominantemente negros, pobres e masculinos, que estão fora da corda, mas são atraídos pelos artistas que neles se apresentam. Os preços mais baratos dos ingressos (US 20.00 por dia) nestes blocos refletem a oferta reduzida de serviços dos mesmos aos associados, a menor fama das atrações musicais e a pouca visibilidade pública ou televisiva de tais entidades. Daí que o número de membros destes blocos varie de 500 a 1000 integrantes. Conquanto nos momentos de menor densidade interna e externa ou de maior disputa pelo espaço, as cordas destes blocos não segreguem tanto a festa ou não exacerbem a divisão socioespacial entre seus membros e os foliões pipocas, nos momentos de maior densidade, os seguranças tensionam as cordas e jogam duro com os de fora do bloco.

Por sua vez, os blocos acessíveis ou de tamanho médio, agrupam foliões que ainda que paguem um preço mais elevado pelo ingresso (US 60.00 ou mais por dia) do que os dos blocos populares, também possuem características sociorraciais semelhantes às dos pipocas. O número de associados varia de 2000 a 3000 pessoas. Os artistas destes blocos atraem uma plateia pipoca multirracial. Nesses blocos, os gestos e atitudes dos associados igualmente sinalizam aberturas para interações com os de fora da corda, particularmente nos momentos de distensão ou menor densidade (Diário de campo, 2015). Tais aberturas, no entanto, são rapidamente bloqueadas pelos seguranças, quando é preciso defender o espaço da entidade e seus associados.

Em terceiro lugar, os blocos elitistas ou de tamanho grande, congregam foliões locais abonados e turistas, incluindo o público LGBTQIA+ local e de outros estados do país, que pagam preços (US 100.00 ou mais por dia) bem mais caros por conta do prestígio e da visibilidade das entidades, da maior oferta de serviços e dos artistas famosos que neles se apresentam. De tal modo, estes blocos chegam a reunir um número de membros igual ou superior a 4.000 pessoas. Se há algumas poucas décadas atrás, a filiação às estas entidades seguia critérios claramente racistas, na atualidade, e depois de denúncias contra tais posturas discriminatórias, estes critérios perderam parte da sua força para uma forma de seleção fundada no poder aquisitivo. Neste sentido, pode-se dizer que quanto maior o valor do ingresso, mais diferenciados e homogêneos são os associados que só curtem a festa nestes blocos ou nos também elitizados camarotes VIP, que têm proliferado nos últimos anos.

A elitização destes blocos se expressa em uma nítida separação física e simbólica dos associados do restante da multidão, assim como no fechamento daqueles com respeito aos padrões corporais expressivos dos não associados. Nessa linha, e em contraste com a segurança dos blocos populares e acessíveis, a segurança mais bem paga e preparada dos blocos elitizados está organizada para não ceder espaço, em nenhuma circunstância, aos foliões não associados. Tal postura acaba gerando tensões e conflitos permanentes com estes últimos.

Sob outra perspectiva, a relação entre os blocos com corda e os foliões não associados se assemelha à representação social envolvendo equipe e plateia (Goffman, 2014), em um contexto diferenciado onde a primeira se desloca e faz com que nos seus desfiles, a plateia também se desloque. Neste movimento constante e envolvente, a equipe dos blocos usurpa os espaços públicos ocupados pela plateia, acirra conflitos e gera problemas de segurança para ambas as partes.

Segurança híbrida

A segurança híbrida consiste na participação de policiais e de empresas pertencentes aos mesmos na estrutura e na dinâmica de operação e coordenação das atividades de segurança entre estes agentes e os segmentos privados4.

Efetivamente, levando em conta que esses blocos e sua segurança surgiram e se consolidaram simultaneamente, os donos destas entidades contrataram, desde o começo, policiais conhecidos para prover, legitimar e reforçar suas equipes de segurança. O crescimento da escala de operações, da visibilidade e do faturamento destes núcleos de segurança, levou a Polícia Federal, que atua na regulação e controle das empresas deste setor, a pressionar estes núcleos a se legalizarem e passarem a funcionar como empresas. Contudo, por causa de restrições estabelecidas pelo regulamento das atividades policiais, os membros destes núcleos utilizaram testas de ferro ou laranjas para legalizar as novas empresas sem perderem o controle efetivo sobre elas (Proprietário, 57 anos).

Na sequência, a mesma Polícia Federal facilitou a vida destas firmas ao permitir que elas operassem nos espaços públicos cercados ou ocupados pelos blocos com corda (Maia, 2008). Em outras palavras, em contraste com a falta de autoridade legal das empresas de segurança privada de outros países para atuarem em espaços públicos (Berg, 2010; Eick, 2012; Kammersgaard, 2019), as firmas de segurança híbrida das entidades carnavalescas estão autorizadas a fazerem o policiamento destes espaços.

Seguindo um padrão comum entre os agentes públicos que vendem serviços de segurança, eles utilizam suas conexões corporativas, hierárquicas e pessoais para prover recursos materiais e humanos das suas organizações, visando atender aos seus clientes (Huggins, 2010).

Para trazer esta segurança, a gente [dos blocos] precisava ter alguém que tivesse uma autoridade. [Ter] autoridade significava ser um policial civil ou militar... (...) foi uma época que a gente tinha alguns amigos em comum, né? Egressos, cadetes da Academia da Polícia Militar recém formados, que já estavam em atividade. E eles normalmente traziam a estrutura do quartel onde eles serviam (...). O tenente trazia dois sargentos que, por sua vez, traziam seus cabos, e seus [estes] cabos traziam alguns dos seus soldados e você fazia um núcleo que a gente chamava de “a segurança interna do bloco” (...). Então, você acabava tendo uma cadeia de comando nesse processo. (Proprietário, 57 anos).

Um parte da missão deste policiamento híbrido tem sido resolver conflitos sem desrespeitar ou “tirar” a autoridade das patrulhas policias, pois: as eventuais “escaramuças” ou “entreveros”, que aconteciam das patrulhas fardadas (...) com os cordeiros ou os foliões associados dos blocos, normalmente eram administradas entre esses policiais, um interno [operando dentro do bloco] e as patrulhas externas. (Proprietário, 57 anos). Além da resolução destes conflitos, a participação e as conexões dos policiais atuantes nos blocos viabilizam a troca de informações (Jones, Newburn, 1998; De Maillard, Zagrodzki, 2015) e a coordenação de atividades com as forças policiais para o atendimento das demandas dos blocos. Novamente, o fato destas empresas pertencerem direta ou indiretamente aos policias do alto e médio escalão facilita o uso da cadeira de comando e dos contatos para convocar as patrulhas.

Os donos da segurança são oficiais do alto escalão, [que] têm acesso a muitas pessoas, políticos, comandantes de unidades, e usam a hierarquia para conseguirem algumas coisas [vantagens]. Tudo que eles precisam é fazer uma ligação para duas ou três patrulhas chegarem e darem mais segurança (Policial, 38 anos).

Dado esse papel decisivo dos donos destas firmas de segurança híbrida na organização, calcado na catalisação e implementação de ações para reforçar a segurança dos blocos com corda, eles podem ser considerados como pontos de interseção ou nódulos de governança. Por essa perspectiva, a efetividade resulta exatamente desta conectividade, sinergia e capacidade de regular nódulos menos potentes desta rede (Wood, Dupont, 2006; Paes-Machado, Nascimento, 2014).

A segurança híbrida dos blocos com cordas revela a dupla face das forças policiais: a pública e a privada. Enquanto a face pública está direcionada para o controle e gestão da multidão carnavalesca (Adang, 2011), a face privada envolve a venda de serviços de segurança para os blocos com corda através das empresas híbridas. Em outros termos, a estrutura de funcionamento e dinâmica destas empresas apontam para a centralidade e parceria destas firmas (Jones, 2010) com as forças policiais. Entre estas últimas, a interpenetração complexa de interesses e mentalidades comerciais e securitários estatais, de modos privados e públicos de regulação com pouca supervisão governamental, influencia o modelo, as táticas e as consequências da segurança dos blocos com corda.

Modelo de segurança

O modelo paramilitar (Paes-Machado; Linhares, 2010) de segurança dos blocos com corda, em especial dos mais excludentes, caracteriza-se pelo uso de anéis concêntricos para defender o conjunto formado pelos membros, veículos e equipamentos, e também tomar e ocupar as vias públicas para eles desfilarem. Assim, após um anel mais extenso e composto por dezenas ou até centenas de assistentes de segurança ou cordeiros, e um anel seguinte formado por seguranças, há um núcleo duro preenchido por policiais que trabalham para os “donos” da segurança e, portanto, prestam serviços às entidades carnavalescas.

O contingente mais numeroso é formado por auxiliares de segurança ou cordeiros, recrutados entre trabalhadores desempregados e subempregados, cuja função específica é cercar os perímetros do bloco: O cordeiro faz parte da segurança direta e indiretamente, porque ele está ali cercando, né? Todo o perímetro do bloco... Sem os cordeiros, o carnaval [dos blocos de corda] de Salvador não acontece. Se procurar um cordeiro e não achar... vai todo mundo entrar no bloco... a verdade é essa. (Segurança, 38 anos). Efetivamente, os cordeiros seguram, puxam ou empurram cordas, tanto para o trio elétrico e o carro de apoio se deslocarem, como para afastarem e impedirem o ingresso de foliões não pagantes e vendedores de rua (Ivo, 2018): Quem bota o trio “pra” frente praticamente é o cordeiro. Se não tiver cordeiro não tem segurança dentro do bloco. O [pessoal da] patrulha não vai fazer o serviço que o cordeiro faz. Puxar aquelas cordas sujas. (Segurança, 39). Em outros termos, a atividade destes seguranças pouco qualificados e remunerados consiste na utilização da força física, representada pela tecnologia elementar dos braços e cordas, para garantir espaço para os foliões associados: Na verdade, o trabalho que a gente faz, é com a corda mesmo. O que a gente tem que fazer, é força[r] pra conseguir espaço”. (Cordeiro, 27 anos). Dado o baixíssimo status dos mesmos, simbolizado pela referência ao esforço deles de “puxar aquelas cordas sujas”, que são arrastadas no chão contaminado das ruas, eles podem ser denominados de lumpens seguranças.

Conquanto os cordeiros sejam, predominantemente, jovens de ambos os sexos, entre 18 e 29 anos, há adultos e mesmo idosos entre eles. Os mais jovens são colocados na frente e no fundo do bloco, enquanto os mais idosos, mesclados com os primeiros, ficam nas laterais, seguindo a orientação de outros seguranças que atuam como fiscais. Eles vestem uniformes com quatro cores diferentes e possuem números de identificação para indicar suas posições no bloco (frente, fundo, laterais direita e esquerda): [Na] função de fiscal, a gente organiza os cordeiros, coloca os cordeiros em sequência, tem os coletes com as numerações, um atrás do outro, e observando o movimento. Organizando para que eles puxem a corda para que o trio possa fluir, andar, só isso. (Segurança, 40 anos). Trata-se de uma função altamente perigosa por ser realizada no meio da multidão e no perímetro dos blocos com cordas, sem que os cordeiros disponham, além da própria corda, de barreiras físicas de contenção (Maia, 2008). Por sua vez, o reconhecimento do papel destes assistentes de segurança por parte dos organizadores dos blocos não faz com que eles tenham sua integridade física pessoal (Jarman, Bryan, 1999) respeitada pelos grupos de foliões pipocas que, justamente por reconhecerem a importância de tal função, decidem atacá-los. Nesta linha, as interações com estes foliões despertam a apreensão dos cordeiros com respeito às brigas iminentes em virtude das táticas excludentes dos blocos, da densidade humana, das músicas agitadas tocadas pelos trios elétricos e da presença de indivíduos e grupos intencionados em bater neles durante e mesmo depois dos festejos, quando eles estão voltando para casa.

Para reforçar a atividade dos cordeiros, os blocos contam com grupos de seguranças de apoio, integrados por homens jovens, também denominados de armários por seu porte físico avantajado, e praticantes de artes marciais para imporem respeito ou intimidarem: As características físicas dos operadores desse reforço são evidências do caráter seletivo do recrutamento e dos atributos necessários para o exercício das funções dos ocupantes desse posto (Diário de Campo, 2014). Tais como os cordeiros, estes seguranças de apoio ficam dispostos lado a lado, de modo espaçado e nos pontos chave da corda.

Se em alguns blocos, o pessoal de apoio também faz o patrulhamento interno, em outros blocos, esta atividade é conduzida por equipes específicas. Em ambos os casos, tanto o pessoal de apoio como as equipes de patrulhamentos são liderados por seguranças profissionais (ou treinados) e amadores (com pouco ou nenhum treinamento). Além destes seguranças fazerem o patrulhamento do espaço interno do bloco e protegerem o pessoal dos camarotes, situados nos carros de apoio e nos trios elétricos, incluindo os próprios artistas (Segurança, 39 anos), eles também expulsam os intrusos e não hesitam em participar das constantes brigas entre cordeiros e pipocas: Os foliões pipocas nos vêem, os seguranças do bloco, como inimigos, quando eles estão brigando, porque nós sempre estamos do lado dos integrantes do bloco. (Segurança, 42 anos).

Ainda que estes seguranças operem, tais como “porteiros” de estabelecimentos comerciais (Hobbs et al., 2003), na contenção dos foliões pipocas, eles estão mais focalizados na vigilância (Marx, 2012), mediante a identificação, sinalização e intervenção sobre condutas destoantes do padrões estabelecidos pelos blocos: Quem está enxergando, na maioria das vezes, é o segurança do bloco. Se acontecer alguma coisa desse tipo, quem intervém é ele... a gente não está vendo. (Cordeiro, 27 anos).

Acima de uns e de outros, estão os supervisores e os coordenadores. Embora os líderes dos cordeiros, dos grupos de apoio e das equipes de patrulhamentos tenham supervisores distintos, todos eles se reportam a três coordenadores específicos: dos cordeiros, do bloco e da própria empresa de segurança (Cordeiro, 27 anos). Por sua vez, os coordenadores de área, que raramente são seguranças profissionais, fazem a ligação entre os vários supervisores, enquanto os coordenadores gerais cuidam da segurança do bloco como um todo.

No topo dessa estrutura piramidal estão os agentes fora de serviço das Polícias Militar, Civil e Federal, que trabalham para as firmas de segurança (Huggins, 2010) e que se especializaram, desde os começos dos blocos com corda, nesta atividade. Proporcionalmente, um bloco com um efetivo de dois mil colaboradores pode contar com seis ou oito policiais. Tais agentes não trabalham uniformizados, nem vestidos com a indumentária específica do bloco, mas podem ser facilmente identificados pelo porte físico, pela postura e por estarem acompanhados de outros policiais.

De modo geral, e diferentemente do policial-chefe que faz a coordenação geral dentro de uma sala do carro de apoio e que, por vezes, presta serviços a mais de um bloco simultaneamente, os policiais subalternos dão cobertura ao trio elétrico e circulam, quando necessário, dentro dos blocos para prover segurança aos foliões associados: Eles [os policiais] dão uma boa base de segurança, porque senão não valeria a pena você [o associado] pagar mil e poucos reais num bloco. Se você não tiver segurança, se tivesse tudo “avacalhado”, o pessoal invadisse o bloco, brigasse dentro do bloco aquela coisa toda. (Segurança, 39 anos).

Ao tempo que tais agentes fazem, conjuntamente com membros da equipe de produção da entidade, a coordenação geral, eles operam como um elo de ligação entre a segurança do bloco e as patrulhas policiais. A autoridade destes profissionais faz com que eles desempenhem um papel central na solução de conflitos relacionados com o afrouxamento normativo, o clima anti-autoridade, as celebrações desordenadas, as oportunidade de assédio sexual e de furtos (Jarman; Bryan, 1999), a elevada densidade e o consumo de substâncias lícitas e ilícitas. Se nos conflitos entre estes foliões associados, a orientação da segurança está pautada na moderação, tolerância ou leniência, nos conflitos com os foliões pipocas, predomina o uso de táticas duras. Consequentemente, a resolução de conflitos com os associados está altamente centralizada nas figuras dos coordenadores, para os quais os seguranças encaminham os casos gritantes: Existe um profissional com hierarquia alta [nas polícias], dentro do bloco, que resolve todas essas situações [drogas, brigas e furtos]. (Coordenadora, 38 anos). Em contraste, nos conflitos com os foliões pipocas, prevalece a abordagem descentralizada mediante a intervenção simultânea de vários seguranças, que favorece a multiplicação e intensificação dos conflitos com aqueles.

Em resumo, em contraste com o policiamento multinível de eventos em várias partes do mundo, onde há uma clara divisão de trabalho entre os seguranças que cuidam dos espaços internos e os policiais que se encarregam dos espaços externos (Jarman; Bryan, 1999; Adang; Cuvelier, 2001), nos blocos carnavalescos com corda, as tarefas destes agentes estão embaralhadas. Primeiramente, os seguranças que atuam na proteção dos perímetros internos também intervêm nos espaços externos aos blocos. Segundo, os policiais se dividem entre os que trabalham como seguranças particulares das entidades carnavalescas e aqueles que integram as patrulhas externas, mas igualmente dão suporte aos anteriores.

Táticas excludentes

A estratégia de segurança envolve a criação e a manutenção de fortes controles físicos e simbólicos, visando a afirmação da autoridade e da capacidade dos seguranças para darem ordens a serem cumpridas (Jones; Newburn, 1998; Kempa; Stenning; Wood, 2004) nos blocos e nos espaços públicos adjacentes aos mesmos. Essa estratégia, que é adotada por todos os blocos com corda, mas é implementada com mais força nas entidades de elite, que possuem uma segurança mais bem paga e preparada, opera mediante a disposição (lay out) de variados agentes em pontos dos anéis concêntricos do bloco, para insular, deslocar e expandir os blocos.

Esta lógica envolve um lay out [ou distribuição] do pessoal que define os locais onde os diferentes segmentos da segurança vão agir e os coordenadores e os demais devem ficar, incluindo aqui o carro de apoio do bloco. Com base nisto, há uma coordenação e um monitoramento por rádio encima do trio elétrico, do carro de apoio, assim como da frente e do fundo do bloco para dar bem-estar ao folião. (...). (Segurança, 38 anos).

Trata-se de garantir, segundo a experiência do chamado “olhômetro”, uma distribuição espacial ótima dos contigentes de operadores com base em aspectos, como: as distâncias internas, a quantidade de foliões e o ritmo de movimentação do bloco e do trio: Naquela distância ali, você tem um volume de pessoas entre a frente do bloco e a frente do trio, aí você vai dar [estabelecer] X metros. O cara vai no olhômetro. O trio pode andar, vamos ali [dar] mais X metros [para] poder andar. Aí você vai posicionando de acordo com a quantidade de foliões. (Segurança, 38 anos). Tal distribuição dinâmica é facilitada pelo emprego de rádios para controlar os espaços de circulação (Paes-Machado; Nascimento, 2014), agilizar o monitoramento e coordenar as atividades dos vários segmentos da segurança.

A estratégia de segurança, entendida pelos coordenadores como uma doutrina, é bastante clara quanto aos lugares dos assistentes de segurança ou cordeiros dentro do perímetro da entidade e ao papel central da manutenção da corda suspensa na marcação dos pontos de acesso ao interior do bloco. O ponto é prevenir a criação de vácuos indesejáveis que facilitem o acesso de pessoas não autorizadas, assim como evitar que os foliões pipocas encostem na seção frontal da corda e atrapalhem a movimentação da entidade: A parte do cordeiro é inibir a entrada de folião externo, no caso, pipoca, no bloco. Não deixar e dar aquela limitação para o folião que é associado curtir seu carnaval dentro do bloco tranquilo (Segurança, 39 anos). Além de expandir os limites do bloco e bloquear o acesso de foliões não autorizados, os cordeiros não devem hesitar em retirar ou remover, com o apoio dos seguranças, os intrusos ou penetras: A orientação é não deixar quem está fora, o pipoca, entrar no bloco. Tem gente que quer brigar... tipo o cara [o pipoca] olha para o outro [o cordeiro] atravessado e quer entrar no bloco, mas a gente não pode deixar. Por isso, tem o cordeiro, tanto para conseguir espaço, como para evitar esses tipo de conflito”. (Cordeiro, 27 anos).

Sob esta perspectiva, a segurança estimula a eclosão e o acirramento de conflitos com os foliões pipocas, porque realiza a exclusão socioespacial preventiva e reativa destes foliões desejosos de adentrarem nos blocos ou ficarem mais perto dos seus ídolos musicais (Maia, 2008). Tal como em diversos contextos contemporâneos marcados pelas polarizações extremas e ferozes, o papel desses agentes é operar a bulimia (Young, 1999) representada pelo jogo de inclusão e exclusão envolvendo ambos os lados.

A determinação de excluir, rejeitar ou remover pessoas (Crawford, 2011) pode chegar ao extremo de limitar ou negar o direito de ir e vir dos pedestres, de modo a evitar que estes cruzem ou circulem pela ruas nos momentos de maior presença ou densidade dos blocos.

Todo brasileiro tem o seu direito de ir e vir. Então a pessoa passou... daqui pra lá [o outro lado da rua], você abre, deixa ela passar. A instrução a princípio é pra não deixar transitar no bloco, mas se a pessoa só vai passar de um lado para o outro, a gente levanta a corda e acompanha. Bota ela do outro lado. Se pedir de novo, não tem condições. Vá para a frente, passe na frente do bloco e tal. (Segurança, 39 anos).

Dado o imperativo securitário de reduzir a mobilidade e o fluxo de pessoas, os seguranças limitam o trânsito delas nas vias públicas ocupadas pelos blocos. Assim, mesmo que reconheçam o direito de ir e vir dos pedestres, eles subordinam este último aos direitos de reunião, associação e expressão dos membros do bloco. Conquanto os seguranças abram exceções, em especial nos momentos de menor densidade, no sentido de levantar a corda e permitir o trânsito deles pelo espaço interno do bloco para cruzar a rua, predomina a orientação de bloquear o movimento e negar os direitos dos pedestres.

No que se refere à movimentação e expansão do bloco, a orientação do pessoal da segurança é puxar as cordas, independentemente do nível de densidade da multidão (Adang, 2010), para “tirar” ou se apropriar de espaços públicos abertos que seriam de todos. Os fiscais mandam a gente puxar as cordas, abrir para o lado, para dar espaço, pra ocupar o lugar que deveria ser dos foliões pipocas, né? (Cordeiro, 25 anos). Tal como a membrana de uma ameba, o contorno dos blocos está exposto às várias pressões e é forçado a se adaptar aos diferentes locais e momentos.

Levando em conta o imperativo de proporcionar conforto aos membros, a ordem incontornável é fazer o possível para obter espaço adicional em condições onde este é escasso ou indisponível. Os caras [fiscais] falam: ‘tem que empurrar a corda mesmo’... não tem pra onde correr, o folião [associado] está ali pra curtir e a gente está ali pra trabalhar... tem que conseguir espaço. Por mais que não tenha espaço, a gente tem que empurrar a corda e conseguir espaço. (Cordeiro, 27 anos). Além do movimento para forçar a abertura nas laterais e criar mais espaço para a entidade, uma parte dos cordeiros é orientada a puxar a corda na frente, enquanto outra parte segura esta última no fundo do bloco para fazer o desfile avançar.

Por mais complicada que seja esta guerra de movimento nas ruas sinuosas, apertadas e repletas de gente, os cordeiros têm que cumprir a ordem para expandir ou “espaçar” a corda: Então, o cordeiro está ali pra empurrar a corda e fazer de tudo pra que os foliões [associados] consigam aproveitar, curtir espaço deles. A maioria que está ali é pipoca, mas mesmo assim você tem que conseguir espaço, empurrar a corda. (Cordeiro, 27). Entretanto, há assistentes de segurança que tentam, quando é possível, moderar esta pressão para não intensificarem as respostas agressivas dos foliões pipocas e arriscarem ainda mais sua segurança pessoal: Tem coisas que eles [os seguranças] falam que se a gente fizer vai prejudicar a gente mesmo, tipo empurrar o folião [pipoca]. Tem momentos que a gente está na flor da pele, aí o coordenador parecendo que quer colocar mais fogo na lenha. [...] nem tudo a gente segue à risca” (Cordeiro, 27 anos).

Nessa linha também, e em contraste com a orientação vigente, têm seguranças que recomendam o diálogo com os foliões pipocas para manter o desfile do bloco dentro do limite da chamada faixa azul5, ou seja, eles sugerem convencer estes foliões a não se aproximarem desta faixa e evitar reações violentas dos mesmos contra a pressão expansionista.

A gente tem que manter a corda sempre na faixa azul. Quando o público pipoca vai passando e encosta... qual é a orientação? Empurrar pra faixa azul. Nem toda vez os pipocas gostam. Aí tem que saber chegar, sair para o lado de fora da corda e conversar de boa, porque se a gente for empurrando com agressão, corre o risco de tomar... como aconteceu com o nosso líder... uma latada na garganta e lascou... ficou internado e quase morreu. [...] Porque não soube chegar, tem que passar para o lado de fora da corda, ir abraçando e pedindo “ô meu irmão, vamos liberar a corda”. A pessoa se sensibiliza e vai encostando. (Segurança, 28 anos).

Entretanto, apesar destas iniciativas moderadoras, e da ajuda de alguns artistas que interrompem seus shows, no alto dos trios elétricos, para pedir calma e paz, a tática do confronto prevalece para garantir o avanço do bloco e revidar a resistência dos pipocas. Isso é mais intenso e frequente nos desfiles realizados nas vias públicas com trechos apertados e pontos de pressão, e nos momentos em que as bandas tocam músicas agitadas que provocam empurra-empurra entre foliões pipocas, cordeiros, seguranças e policiais (Maia, 2008).

Para garantir a movimentação do bloco, o pessoal de apoio e os seguranças profissionais também vigiam os pontos de concentração, densos e efervescentes de pipocas que “colam na corda” e devem ser afastados. Ao modo de um paralelogramo de forças, enquanto os cordeiros mantêm erguida a barreira da corda contra os avanços destes foliões, os demais seguranças fazem a contenção ativa ou atuam na progressão expansiva da corda. Em outras palavras, quando as massas de pipocas pressionam a corda e reduzem o espaço interno do bloco, a função desse pessoal consiste em auxiliar os cordeiros a intimidarem, afastarem ou espremerem essas aglomerações. Dessa maneira, os grupos de apoio à corda atuam para garantir que os pipocas indesejáveis ou recalcitrantes se concentrem fora da rua ou nas margens do circuito, deixando o máximo de espaço livre para os foliões desejados ou pagantes dos blocos. Embora tal ação agressiva de diluição gere resistência ou mesmo confrontos, ela força os pipocas a liberarem espaços para o bloco.

A diluição das concentrações se faz por meio da corda tesa, que vai sendo esticada, com um vigor corporal que intimida e espreme os foliões contra o paredão formado pelos isopores, vendedores ambulantes, a audiência e às vezes, pelos tapumes de madeira dos camarotes. Essa ação violenta sufoca e obriga os foliões a recuarem (Diário de Campo, 2014).

No entanto, quando tais tentativas de diluição fracassam, os seguranças recorrem à dispersão mediante empurrões, chutes e socos. Por sua vez, apoiando ou reforçando a dispersão implementada pelas entidades, as patrulhas policiais que circulam nas laterais dos blocos, neutralizam, retiram ou apreendem os pipocas que resistem aos avanços dos blocos.

Em outros termos, as táticas de policiamento duro, mediante o uso da coerção física e das demonstrações de força, juntamente com o monitoramento dos foliões pipocas e a ampliação dos espaços públicos visados pela vigilância das entidades, mostram que a segurança híbrida dos blocos de corda tem se engajado em atividades de exclusão socioespacial preventiva e reativa.

Formas de coordenação entre a segurança do bloco e as forças policiais

A coordenação de atividades dentro da rede híbrida, formada pelas empresas de segurança e as forças policiais, visa reforçar esta segurança, convocar patrulhas para resolver conflitos no entorno dos blocos e favorecer aos interesses destes últimos em prejuízo dos direitos (Lopes, 2020) e garantias individuais e coletivos dos foliões não associados.

Efetivamente, em contraste com o limitado mandato e prestígio dos seguranças comuns, que além de não poderem usar armas de fogo e empregar algemas, não possuem competência “institucional” para lograr o pronto apoio das patrulhas policiais, os policiais que atuam na segurança interna possuem “poder de convocação” para agenciar estas patrulhas. Em outros termos, dentro da máxima de que “uma mão lava a outra”, o pessoal das patrulhas externas dá mais atenção e atende com mais presteza aos chamados dos seus colegas que atuam na segurança interna das entidades. Tal poder de convocação emana tanto do corporativismo policial, como do poder dos altos oficiais que são proprietários das firmas de segurança, para satisfazer às demandas dos blocos.

Ele [o bloco] contrata um policial... o cara é militar, vai saber chegar [estabelecer contato] com uma patrulha daquela. É mais rápido, porque, geralmente, quando é segurança que chama, eles [os integrantes das patrulhas] nem ligam. Agora, quando é policial militar, é mais rápido, dão mais atenção. Ele te tira como nada [um desacreditado, sem autoridade] e vai embora. (Coordenador, 28 anos).

As evidências mostram a importância da articulação de esforços entre policiais da segurança interna e integrantes das patrulhas para controlar brigas, dispersar ou deter os participantes:

Geralmente, dois ou três policiais, em conjunto com a gente que é da patrulha [interna], vão pro lado de fora do bloco e tentam minimizar a situação. E aí eles [os policiais que são parte da segurança do bloco], que já tem contato com a polícia que vai passando na patrulha, chamam este pessoal que tá trabalhando [e] já pede suporte. O pessoal já faz aquela segurança ali, pronto, acabou. E o bloco segue. (Segurança, 39 anos).

Estas situações são comuns nos momentos em que a intensificação do uso da força pela segurança interna, para pressionar ou “espremer” os foliões pipocas, acirra os conflitos com estes e ultrapassa a capacidade de controle dos seguranças das entidades: a dispersão é feita indiretamente pela PM, quando os auxiliares de segurança espremem a massa pipoca, gerando confrontos no lado de fora da corda e exigindo dos policiais a retirada dos pipocas envolvidos no conflito (Diário de Campo, 2014). Por exemplo, em um confronto entre cordeiros e pipocas, embora a patrulha policial tenha chegado “arrebentando” ou batendo e apreendendo uns e outros, ela terminou soltando os cordeiros envolvidos: Aí chegou a PM arrebentando todo mundo, eu tomei uma fantada nas costas, ela apreendeu alguns caras, me prendeu e prendeu meu colega, mas eles soltaram a gente, porque viram que a gente tava trabalhando [no bloco] (Cordeiro, 25 anos). Porém, e isto é importante, os próprios seguranças convenceram os policiais a liberarem os cordeiros por eles apreendidos: Aí quando acalmaram tudo, vieram os seguranças do bloco, conversaram lá, soltaram eu e meu colega pra eu ir pra casa para eu pegar meu dinheiro depois, porque com o murro que eu tomei o meu nariz ficou sangrando. (Cordeiro, 25 anos).

Um segundo exemplo é o de um espancamento brutal, seguido por uma detenção injusta, de um folião pipoca solitário. Esse último enraiveceu os cordeiros pela determinação para exercer seu direito de ir e vir no corredor criado entre o bloco e o paredão humano, formado por outros pipocas e vendedores de rua.

Numa dessas travessias de rua, um folião pipoca e os cordeiros de um bloco trocaram hostilidades. Estes retrucaram com ameaças à reclamação feita por aquele contra um movimento abrupto de abertura da corda que dificultou sua passagem. Sem ameaçar ninguém, o folião seguiu seu caminho. Mas, de repente uma parte dos cordeiros e do pessoal de apoio atacou o jovem, que logo desapareceu no meio dessa massa de corpos. Mais de quinze cordeiros o espancaram sob a indiferença da banda de música que continuava tocando. Indignados, outros pipocas começaram a jogar garrafas de água e cerveja na direção da banda. A pancadaria só parou com a chegada da Polícia Militar, mas os protestos continuaram, exigindo dos policiais providências com relação aos agressores. Indiferentes aos protestos, os PMs prenderam o folião que, coberto de hematomas, sangrava e aparentava desorientação. Diante da continuação dos protestos, um gerente da segurança interna que se dizia policial, intimidou e ameaçou os manifestantes, indagando se eles também queriam ser levados pelos PMs: “Eu também sou policial, se vocês quiserem, eu posso mandar levar [deter] vocês também”. (Diário de Campo, 2013).

Em contraste com outras situações já relatadas, quando foliões pipocas fizeram pedidos e lograram concessões, aguardaram os resultados de negociações ou foram ameaçados pelos seguranças, a determinação deste pipoca para atravessar a rua resultou, de um lado, no seu espancamento e na sua detenção por uma patrulha policial. E de outro, em uma enxurrada de ameaças desta mesma patrulha contra os espectadores que protestaram contra tal demonstração de violência. Além de ser uma expressão dos conflitos, permeados por brigas e represálias, entre a segurança híbrida e os foliões não associados, o espancamento seguido pela detenção do pipoca demonstra o feedback, a complementaridade prática e a mistura de mentalidades, autoritárias e arbitrárias, no seio desta rede híbrida de segurança.

O policiamento duro e as demonstrações de força, visando o controle da multidão (Adang, 2001) de pipocas, geram e intensificam conflitos com esta última que são resolvidos, nos casos mais sérios, por patrulhas policiais que buscam facilitar as coisas para os blocos carnavalescos e aumentar a eficiência das firmas de segurança que atuam para os mesmos. No lugar da coordenação de atividades entre a segurança interna e as forças policiais acalmarem os ânimos e pacificarem as celebrações, ela favorece ações violentas contra essa multidão. Assim como os excessos cometidos pelos seguranças não são supervisionados pelas autoridades governamentais, muitos abusos policiais praticados durante os festejos, incluindo os resultantes da coordenação de atividades entre ambas as partes, ficam impunes.

Novamente, a coordenação de atividades entre os agentes privados e públicos que integram esta rede híbrida não é um mero complemento. Além de legitimar, ela é essencial para potencializar ou reforçar a atuação defensiva e ofensiva da rede, pois ao tempo que esta protege a integridade dos foliões associados, ela produz insegurança para os foliões pipocas. Como parte disso, a rede deve responder ao enorme desafio colocado pelo cercamento móvel das vias públicas e pela resistência da multidão.

Reações negativas dos foliões pipocas

Dadas as relações ambivalentes de cooperação e conflito entre os blocos e suas plateias de não associados, uma parte destes se queixa das agressões físicas que sofrem dos seguranças por conta dos métodos violentos de contenção, da usurpação e obstrução da circulação de pedestres pelas vias públicas, e da provisão desigual de segurança pelos blocos

Primeiramente, o uso de métodos violentos de contenção para facilitar a logística de deslocamento e expansão dos blocos, envolve empurrar e até bater nos foliões pipocas que encostam na parte frontal das cordas ou ficam na área de movimentação das entidades. Tais foliões são empurrados e espremidos contra obstáculos físicos e humanos, localizados nas laterais das entidades ou nas calçadas estreitas ou já ocupadas por espectadores e vendedores de rua: Se o pessoal da pipoca estiver encostando demais na corda, acho que eles se sentem ali no poder, ali com aquela corda na mão. Aí empurram, batem. Tem uns que batem, entendeu? (Folião, 25 anos).

Segundo, as táticas expansionistas de conquista de espaços públicos abertos para o acesso e o uso exclusivos dos componentes dos blocos são vistas como invasivas, usurpadoras e opressivas. Nesta linha, os foliões enfatizam que as entidades “tomam” espaços que deveriam ser compartidos com todos: Devido a eles pagarem [os membros], o folião pipoca fica exprimido no canto, enquanto os blocos tomam o espaço que deveria ser de ambas as partes, tanto do pipoca como das pessoas que pagam. (Foliã, 39 anos). Conquanto o folião não mencione a atuação decisiva da segurança híbrida nesta usurpação, ele destaca o papel chave dos pagamentos por parte dos associados, no cercamento destas áreas comuns. Ademais, a gestão agressiva das cordas produz um sentimento de opressão que compromete a qualidade da diversão:

Eu acho que eles deveriam diminuir a corda deles, porque têm blocos que têm cordas muito grandes, [que] infelizmente atrapalham os foliões pipocas de curtirem (...) A gente fica exprimido, tomam muito espaço. A gente se sente oprimido, porque não podemos curtir igual a eles, a segurança que tem ali ao redor é toda pra eles dos blocos. (Foliã, 39 anos).

A insatisfação com a provisão de segurança deriva do fato desta ser direcionada para os foliões associados: As pessoas recebem um tratamento muito diferente. A prioridade que os seguranças dão aos membros dos blocos é porque eles estão pagando. E os foliões pipocas que estão lá para curtir o Carnaval não dão lucro aos blocos. (Folião, 21 anos). Tal avaliação sobre a desigualdade do serviço de segurança também é confirmada e aprofundada por um folião associado.

A melhor parte do Carnaval é que a gente tem o prazer de vestir a camisa de um bloco, que incentiva a gente curtir; tem a questão da segurança, pois dentro dos blocos há lugares seguros. E a pior parte são os empurrões, os apertos, a violência em si, no geral (...) O Carnaval só é feito para aquelas pessoas que estão ali dentro do bloco. E por fora tem os pipocas que não têm acesso àquele Carnaval de diversão com segurança. Eles [os blocos] acham que só quem está dentro dos blocos tem direito à segurança, quem está fora não tem segurança nenhuma. (Folião, 23 anos).

Sob esta perspectiva, a noção de “diversão com segurança” se refere ao acesso e ao gozo da proteção dispensada pelos blocos com corda contra as ameaças e perigos representados pelo desrespeito à circunscrição (Caldeira, 2000) ou à integridade dos corpos individuais. Embora os foliões jovens e os adultos jovens curtam a empolgação ou excitação provocada pela redução brutal do seu espaço físico pessoal, acompanhada pelo aumento da compressão e fricção dos corpos (Moura, 2001), outros foliões se queixam da insegurança existente no entorno dos blocos. Tal insegurança consiste nas ações e reações físicas bruscas, imprevisíveis e inaceitáveis, a exemplo de apertos, empurrões e agressões físicas entre foliões que disputam lugares no denso e concorrido espaço das vias públicas.

Entretanto, a segurança só está ao alcance daqueles que por ela podem pagar: Assim [se divertir como folião pipoca] é bom. Mas não é a mesma coisa que sair em um bloco. Porque a pessoa fica preocupada (...), porque infelizmente tem muitas pessoas que vão para o Carnaval para brigar. E também tem a violência da polícia que, na maioria das vezes, já chega na agressividade. (Folião, 21 anos). Ainda que o folião não associado logre se divertir fora da bolha itinerante do bloco, a qualidade desta diversão está comprometida pela apreensão constante com as brigas e a truculência policial.

Terceiro, a segurança interna do bloco provoca o fechamento temporário de ruas ou a restrição do direito de direito de ir e vir nestes logradouros públicos por conta dos desfiles demorados de blocos, que podem contar com centenas e até alguns milhares de associados:

Geralmente os blocos tomam o espaço todinho, não deixando os pipocas terem espaço pra se divertir. Às vezes, quando a gente quer passar de um lado para o outro, não pode passar, tem que esperar a passagem dos blocos, porque os cordeiros não deixam a gente passar de um lado para o outro. (Folião, 29 anos).

Consequentemente, os pipocas são forçados a esperarem o término dos desfiles para poderem encontrar conhecidos, fazer ou comprar alguma coisa no outro lado da rua:

Eles [os cordeiros] falam que tem que esperar o trio passar com o bloco inteiro pra depois a pessoa atravessar; eles acham que os pipocas vão invadir os blocos deles... aí chamam até o segurança pra retirar você. Eu pedi ao cordeiro pra passar, porque minha esposa estava do outro lado (...), ele falou que não podia, pois eu tinha que esperar o bloco inteiro passar, aí eu insisti e ele acabou chamando o segurança. O segurança mandou esperar, pois iria chamar a polícia para me prender. (Folião, 24 anos).

Em outros termos, na dinâmica e na empolgação de um dia animado de Carnaval, a simples e corriqueira ação de atravessar uma rua fica complicada pelo tempo de espera do término do desfile do bloco, pela negociação com os seguranças particulares e até pelas ameaças de sanções por parte destes contra aqueles que pedem passagem. Com base neste enfoque, e agravando a arbitrariedade dos seguranças, é como se houvesse um consenso nas mentes deles e de muitos policiais, com respeito à suspensão das regras de respeito aos direitos civis daqueles que não estão sob o manto protetor dos blocos.

Como parte dos sentimentos misturados dos foliões pipocas, estes expressam frustrações e revolta contra a segurança híbrida. Apesar dos blocos com corda serem chamarizes e catalisadores da festa empolgante, catártica e ansiada durante o ano inteiro, o fato destes foliões serem forçados a permanecer fora do perímetro destas entidades faz com que eles também sintam os efeitos negativos disto. Tais efeitos estão ligados aos métodos violentos de contenção, à usurpação dos espaços públicos livres, ao aumento dramático do adensamento e à sensação aguda de insegurança no entorno dos blocos. Associada a esta última, os foliões pipocas manifestam privação relativa com respeito a um padrão excludente de provisão de segurança que protege a integridade dos membros dos blocos, mas mina ou desestabiliza a segurança daqueles.

Conclusão

O Carnaval de Salvador com seus grupos organizados de foliões ou blocos com corda, proporciona um terreno fértil para explorar o florescente trabalho acerca do policiamento plural, incluindo as formas assumidas pelas atividades da segurança privada em espaços públicos (Berg, 2010; Walby; Lippert, 2011; Crawford, 2011; Eick, 2012; Kammersgaard, 2019).

Conquanto a atuação de seguranças particulares no policiamento do carnaval de Salvador apresente semelhanças com as operações já estudadas de empresas de segurança em localidades de outros países, aquela atuação possui particularidades relevantes com respeito tanto ao contexto, como ao modelo, às táticas e aos impactos socioespaciais.

Em contraste com a concentração das atividades de tais firmas em áreas urbanas comerciais específicas (Eick, 2012; Kammersgaard, 2019), o presente estudo abordou as ações dos provedores de segurança nos desfiles anuais dos blocos com corda, ao longo de muitos quilômetros de vias públicas. Neste sentido, aspectos como o caráter multifacético, polifônico e dinâmico desta festividade, juntamente com sua enorme escala (Valverde, 2014) espacial, demográfica e de recursos materiais e humanos, incluindo milhares de policiais e de guardas de segurança envolvidos no policiamento das ruas, camarotes e desfiles das entidades, permitem examinar novas dimensões dos processo de privatização dos espaços públicos abertos (Jones; Newburn, 1998) e de eventos festivos.

Ao tempo que a expansão destes blocos marcou uma fase de maior comercialização e diferenciação social do Carnaval, ela também intensificou a segregação socioespacial e o fracionamento da multidão festiva em diferentes categorias de foliões, de blocos e arranjos de segurança. Sob esta perspectiva, os quarenta blocos com corda, que têm desfilado anualmente e buscado satisfazer às expectativas de segurança, conforto, pertencimento, curtição e encontros sociais dos foliões, se dividem em populares, acessíveis e elitizados. Apesar desta divisão, os seguranças de todas estas entidades tendem a atuar da mesma maneira dura, quando julgam necessário, para defender e expandir os espaços dos blocos. Tal semelhança no padrão de atuação da segurança evidencia a capacidade desta se sobrepor às grandes diferenças socioeconômicas e culturais existentes entre as entidades.

Considerando que tais blocos e seus respectivos aparatos de segurança se desenvolveram simultaneamente, os primeiros núcleos de segurança destas entidades, formados por policiais, converteram-se em empresas controladas por estes agentes públicos. Diferentemente também das firmas de segurança privada que têm atuado sem autorização formal em espaços públicos de outras localidades (Walby; Lippert, 2011; Eick, 2012; Kammersgaard, 2019), as empresas que operam no Carnaval lograram o consentimento da agência regulatória deste setor para operarem nos espaços públicos cercados ou ocupados pelos blocos com cordas. Consistente com isto, a organização desta segurança se configurou como uma rede híbrida, fundada na interpenetração ou hibridismo entre agentes públicos e agentes privados empregados por estas empresas (Jones, 2010), pertencentes aos oficiais do alto e médio escalão. De acordo com um padrão comum entre policiais que vendem serviços de segurança, estes agenciam suas conexões corporativas e pessoais para prover recursos humanos e materiais da polícia aos seus clientes e mobilizar as patrulhas policiais para apoiar a segurança dos blocos.

Além de operarem a segurança interna dos blocos, tais agentes estão articulados com os mesmos policiais do alto e do médio escalão das forças policiais, que são donos destas firmas. Dado o papel decisivo destes últimos na catalisação e implementação de ações, e na regulação das atividades de outros componentes da rede híbrida, eles atuam como um importante nódulo de governança da segurança (Wood; Dupont, 2006; Paes-Machado; Nascimento, 2014) dos blocos com corda, em especial dos blocos elitizados, que gastam mais com estes serviços. Permeando a conectividade e a sinergia deste nódulo de governança, as posições chave destes policiais, na hierarquia das forças policiais e no mercado de serviços de segurança, maximizam o poder demonstrado pelas firmas e pela rede híbrida de segurança controladas por aqueles.

Neste ponto, cabe indagar acerca das implicações da ancoragem desta rede híbrida no Estado e no policiamento público. Ora, em comparação com o policiamento plural, ancorado em práticas e valores de equidade e legitimidade democrática do Estado e da polícia (Loader, 2000; Loader; Walker, 2001), a provisão de segurança por parte da rede híbrida dos blocos apresenta características ambivalentes. De um lado, esta ancoragem é uma garantia de efetividade da rede em termos da provisão de segurança aos membros dos blocos. De outro, a ancoragem apresenta características negativas, que derivam da absorção ou compartilhamento da ineqüidade e do autoritarismo vigentes nestas forças policiais. Sob este prisma, além de intensificar a privatização do acesso e do uso dos espaços comuns, a ancoragem negativa da rede potencializa a exclusão (Crawford, 2011) socioespacial e a violação de direitos civis (Lopes, 2020) de amplos segmentos de foliões.

Também como parte desta ancoragem, os blocos adotaram um modelo de segurança paramilitares (Paes-Machado; Linhares, 2010) para defender e expandir os espaços públicos ocupados pelo bloco, incluindo aqui os foliões associados, veículos e equipamentos das entidades. Tal modelo de segurança implementa táticas duras (Berg, ٢٠١٠), usurpadoras e opressivas contra o público mais amplo de foliões, que ultrapassam os casos estudados pelos acima mencionados pesquisadores. Em termos específicos, a orientação das táticas de insulamento, deslocamento e expansão do bloco é gerenciar as cordas de modo a ocupar espaços comuns que deveriam ser usados por todos. Levando em conta o imperativo básico de satisfazer os membros das entidades, a ordem incontornável é fazer tudo que seja possível para ganhar espaço adicional em condições onde este é escasso ou indisponível. Neste jogo duro de rua, cabe ao lumpemproletariado da segurança, formado pelos assistentes de segurança ou cordeiros, manter a corda contra os avanços dos pipocas, que comprometam ou reduzam o insulamento do espaço interno “vital” do bloco, assim como colaborar com os demais seguranças para garantir o deslocamento e a expansão desta barreira.

Dado que esta governança, entendida como processo de regulação e controle de espaços e fluxos de pessoas, está fundada em poderes de exclusão, rejeição e remoção de indivíduos e grupos (Crawford, 2011; Arantes, 2017), tais poderes apresentam importantes implicações. Eles diluem os limites divisórios entre os modos públicos e privados de regulação destes espaços (Crawford, 2011), os quais impactam a organização, percepção e reconhecimento dos mesmos espaços pelos indivíduos e grupos. Efetivamente, os seguranças particulares usam e abusam da força para empurrar e até bater nos foliões pipocas que encostam na parte da frente das cordas ou que ficam nas imediações dos blocos, foliões que são empurrados e espremidos contra obstáculos físicos e humanos nas laterais das entidades ou na calçadas. Associado a isto, o imperativo securitário de redução das aberturas e pontos de fuga, para garantir os direitos de reunião, associação e expressão da clientela pagante dos blocos, prevalece, restringe ou nega o direito de ir e vir do público. Além da exclusão socioespacial preventiva (Berg, 2010), pode-se afirmar que a segurança dos blocos produz uma exclusão reativa dos foliões não pagantes.

Consequentemente, a rede híbrida de segurança favorece a eclosão e o acirramento de conflitos violentos com os foliões não associados por frustar as fantasias e as expectativas destes adentrarem nos blocos ou ficarem próximos dos seus ídolos musicais (Maia, 2008). Sob esta perspectiva, e tal como acontece em outros contextos contemporâneos marcados por polarizações extremas e exclusões ferozes, o papel desse aparato de segurança é operar a bulimia (Young, 1999) dramatizada por este jogo fluido entre inclusão e exclusão.

A insatisfação com a provisão de segurança decorre desta atender apenas aos foliões associados. O fato dos membros não associados serem forçados a permanecer fora do perímetro das entidades faz com que eles também sintam as consequências negativas disto em termos dos congestionamentos dos espaços públicos livres, dos violentos métodos de contenção, da truculência policial, das brigas frequentes, e de uma aguda sensação de desconforto e insegurança no entorno dos blocos. Nesta linha, a ilustrativa noção de “diversão com segurança” remete à aspiração dos foliões ao acesso e ao gozo de proteção contra o desrespeito ao seu espaço físico pessoal (Caldeira, 2000). Este desrespeito é representado pelas ações e reações físicas abruptas, imprevisíveis e descontroladas entre e contra os foliões. Em contraste, as bolhas itinerantes de segurança oferecem comodidade e proteção, mas só atendem àqueles que podem pagar pelas mesmas. Ainda que muitos foliões pipocas logrem se divertir fora destas bolhas, a qualidade desta diversão é comprometida pela apreensão constante com a insegurança ambiental.

Face a isto, os foliões não associados reclamam da segurança do bloco pelos seguintes aspectos: brutalidade, bloqueio temporário da circulação de pedestres pelas vias públicas e provisão desigual de segurança. O abuso de poder se relaciona com a prática dos seguranças de usar a força para empurrar e até bater nos foliões que encostam na parte frontal da corda ou que estando no entorno imediato do bloco, são empurrados e espremidos contra obstáculos físicos e humanos, situados nas laterais dos blocos ou nas calçadas. Por sua vez, o fechamento das ruas para os blocos desfilarem bloqueia ou dificulta a circulação e a travessia das ruas por parte dos pedestres para encontrar conhecidos ou fazer outras coisas no outro lado da via pública. Assim, na dinâmica de um dia animado de Carnaval, a simples ação de atravessar uma rua por parte dos pedestres fica complicada pelo tempo de espera dos desfiles, pela negociação com os seguranças particulares e até por ameaças de sanções.

Por fim, nós defendemos a ampliação e o aprofundamento de medidas, visando a descentralização espacial, a redução da densidade e a melhoria da gestão da multidão, a fim de aumentar a segurança desta grande festa para os amplos segmentos de foliões do Carnaval de Salvador.

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1 Após um longo período de ascensão, os blocos entraram em declínio nos últimos oito anos, por causa da expansão dos camarotes e de mudanças no seu padrão de financiamento. Os recursos dos anunciantes, que eram doados diretamente aos blocos, passaram a ser transferidos para a Prefeitura de Salvador redistribui-los entre aqueles. Como parte desta política, a prefeitura “tomou os anunciantes que trabalhavam com os blocos, fechando um contrato de patrocínio com uma grande empresa de cerveja para esta anunciar seus produtos na cidade. Conquanto estas transformações tenham reduzido o interesse e afugentado artistas famosos dos festejos de Salvador para carnavais celebrados, no mesmo período, em outras cidades brasileiras, os blocos têm sabido atrair o público LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros], que elegeu a cidade como uma da suas mecas no país”. (Proprietário de bloco, 57 anos).

2 Após um longo período de ascensão, os blocos entraram em declínio nos últimos oito anos, por causa da expansão dos camarotes e de mudanças no seu padrão de financiamento. Os recursos dos anunciantes, que eram doados diretamente aos blocos, passaram a ser transferidos para a Prefeitura de Salvador redistribui-los entre aqueles. Como parte desta política, a prefeitura “tomou os anunciantes que trabalhavam com os blocos, fechando um contrato de patrocínio com uma grande empresa de cerveja para esta anunciar seus produtos na cidade. Conquanto estas transformações tenham reduzido o interesse e afugentado artistas famosos dos festejos de Salvador para carnavais celebrados, no mesmo período, em outras cidades brasileiras, os blocos têm sabido atrair o público LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros], que elegeu a cidade como uma da suas mecas no país”. (Proprietário de bloco, 57 anos).

3 Durante muito tempo, a faixa azul pintada sobre o asfalto da rua pelos organizadores da festa indicava o espaço dos blocos e os limites de ocupação da rua pelos foliões pipocas. Mesmo não existindo mais esta sinalização, os limites estabelecidos pela faixa azul continuam sendo a referência expansiva da corda, pois demarcam o máximo de espaço ocupado pelos blocos. Consequentemente, a orientação é manter a corda, mesmo para o desagrado dos pipocas, na “faixa azul” ou no limite extremo de expansão do bloco.

4 O policiamento público no Brasil é feito por cinco organizações nos níveis federal, estadual e municipal. Entre estas forças, a Polícia Militar e a Polícia Civil, subordinadas aos governos estaduais, jogam os papéis decisivos. Enquanto a Polícia Militar é responsável pelo patrulhamento e manutenção da ordem pública, a Polícia Civil conduz investigações e opera como polícia judicial (Lopes, 2020; Muniz, Paes-Machado, 2010; Barreira, 2004).

5 Durante muito tempo, a faixa azul pintada sobre o asfalto da rua pelos organizadores da festa indicava o espaço dos blocos e os limites de ocupação da rua pelos foliões pipocas. Mesmo não existindo mais esta sinalização, os limites estabelecidos pela faixa azul continuam sendo a referência expansiva da corda, pois demarcam o máximo de espaço ocupado pelos blocos. Consequentemente, a orientação é manter a corda, mesmo para o desagrado dos pipocas, na “faixa azul” ou no limite extremo de expansão do bloco.