Espacio Abierto Cuaderno Venezolano de Sociología Vol.26 No.1 (enero - marzo, 2017): 109-120


Segurança ou criminalização dos adolescentes: confrontando o discurso da redução da maioridade penal no Brasil1

Dijaci de Oliveira y Dione de Carvalho de Souza-Santibanez*


Resumen

El presente trabajo realiza un estudio sobre la participación de adolescentes en prácticas criminales en los indicadores de seguridad pública. El objetivo es confrontar los datos empíricos con el discurso de los defensores de la política de reducción de la edad de la imputabilidad penal. Para realizar el estudio se realiza el análisis de los argumentos de algunos de los defensores, en particular parlamentarios y sus respectivos Proyectos de Enmiendas Parlamentarias (PEC). Los datos empíricos sobre la participación de adolescentes en prácticas criminales fueron recogidos a partir de los resultados de la investigación “Levantamiento del Sistema Socioeducativo Municipal en Goiânia” referido a los años 2012 y 2013. Se observa que hay una fuerte discrepancia entre las narrativas que apuntan a la criminalización de los adolescentes y los índices que aparecen efectivamente en los indicadores sobre la violencia.

Palabras clave: Reducción de la imputabilidad penal; sistema socioeducativo; adolecentes


  1. Uma primeira versão desse texto foi apresentada no XVII Congresso Brasileiro de Sociologia. 20 a 23 de Julho de 2015, Porto Alegre (RS).

    Recibido: 22-09-2016 / Aceptado: 6-12-2016


    * Universidade Federal de Goiás. Goiânia, Brasil.

    E-mail: dijaci@ufg.br


    Security or criminalization of adolescents: confronting the discourse of the reduction of the criminal majority in Brazil


    Abstract

    This paper presents a study of the participation of adolescents in criminal practices and indicators of public safety is performed. The aim will be to address the empirical data with speech advocates lowering the age of criminal policy. To carry out the work we’re going to do a study of the arguments of some of the defense, in particular, parliamentarians and parliamentary amendments Project (CEP). Empirical data on the participation of adolescents in criminal practices were collected from the results of the survey “Study of Socio-Educational Municipal de Goiânia System” for the years 2012 and 2013. It is noted that there is a great discrepancy between the accounts linking criminal potential of adolescents and indices appearing effectively in indicators of violence.

    Keywords: Reduction of legal age; socio-educational; teenage system.


    Introdução

    O objeto deste trabalho é analisar algumas propostas de Redução da Maioridade Penal (RMP) apresentadas por parlamentares brasileiros ao Congresso Nacional. Tais projetos de lei partem da afirmativa de que o objeto das proposições é barrar o avanço da criminalidade, tendo como foco o envolvimento de adolescentes. Neste estudo analisaremos o percentual de participação dos jovens e adolescentes em indicadores criminais, confrontando-os aos principais argumentos que tentam justificar a diminuição da idade penal. Assim, cabe questionar se o quanto as propostas efetivamente se baseiam numa realidade vivenciada pela população brasileira ou se ela apenas reflete maior anseio por controle e punição. Ao longo do texto, notaremos que a realidade evidenciada pelos dados não condiz com os discursos que defendem a RMP e o aumento de punições para adolescentes que praticaram atos infracionais.

    Para realizar a primeira parte do trabalho tomaremos como parâmetro as três propostas que obtiveram maior êxito em termos de tramitação dentro do Congresso. As proposições são a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) do parlamentar Benedito Domingos, de 1993 (período do Governo Itamar Franco), a do parlamentar José Roberto Arruda, de



    1999 (período do Governo de Fernando Henrique Cardoso) e a PEC do senador Aloysio

    Magalhães Ferreira, de 2012 (período do Governo Dilma Rousseff).

    No que se refere aos dados empíricos sobre a participação de adolescentes em práticas criminais, foram coletados números a partir dos resultados da pesquisa “Levantamento do Sistema Socioeducativo Municipal em Goiânia” referente aos anos de 2012 e 2013. Os dados são cotejados com informações coletadas do Mapa da Violência (Waiselfisz, 2015), Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2013 e 2014 (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2013 e 2014) e do IHA - Índice de Homicídio de Adolescentes (Mello, Cano, 2011, 2012 e 2014).

    A iniciativa de travar essa discussão é justificada pela atual ampliação dos discursos repressivos no Brasil, que enfatizam o sentimento de impunidade e associam a ocorrência de crimes à população mais jovem. Repercute-se nos meios de comunicação e em falas institucionais a ideia de que a legislação penal brasileira é inócua e deve passar por mudanças que reforcem aspectos sancionatórios. Geralmente, são argumentos que relativizam a eficiência de políticas de reinserção social e defendem a intensificação de medidas restritamente punitivas.

    Nesse contexto, não só a lei penal tem sido duramente criticada. Os agentes políticos de tendências conservadoras usam de discursos que atacam a legislação protetiva e as garantias fundamentais. o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), especificamente, recebe críticas que tentam construir a ideia de que as medidas que asseguram direitos estão impedindo que criminosos mais jovens sejam punidos. Assim, as propostas atuais de RMP se contrapõe a dois estatutos legais: à Constituição do Brasil e ao ECA. Em relação à Constituição porque pretende alterar cláusula pétrea que estabelece a idade penal em 18 anos; e, em relação ao ECA porque prevê ampliação de medidas punitivas no sistema socioeducativo, que atende adolescentes que praticaram algum tipo de infração.

    O que apontam os Projetos de Emenda à Constituição?

    Os vários projetos que propõe a RMP possuem alguns pontos em comum: a) afirmam que os crimes cometidos pelos adolescentes ficam impunes; b) que os adolescentes são aliciados pela criminalidade organizada; c) que a RMP é um desejo social; d) a taxa de reincidência é alta e que, e) implementada a RMP, a sociedade será mais segura. Tratam- se de linhas argumentativas que formam o discurso punitivo disseminado atualmente no Brasil. De modo geral, podemos destacar nesse processo pelo menos dois fenômenos sociais tratados teoricamente. Primeiro, esses pontos comuns sinalizam uma mudança de percepção na sociedade brasileira que se enquadra no que Garland (2008) chamou de cultura do controle. Segundo, as ideias norteadoras desses projetos de lei elegem os mais jovens como responsáveis principais pela criminalidade, num mecanismo de assujeitamento social, que Misse (2010) conceitua como sujeição criminal.

    Em relação a cultura do controle (Garland, 2008), nota-se uma mudança social na maneira como a sociedade brasileira passou a conceber as formas de tratamento que devem ser dadas a crianças e adolescentes. As evidências expostas nos projetos de lei são expressões de uma mudança na sensibilidade, em que os mais jovens deixaram de ser vistos



    como sujeitos de direito, que devem ter asseguradas amplas garantias legais. Há cerca de 30 anos atrás, a percepção predominante na sociedade era do tratamento protetivo e pedagógico, com fins a reinserção social de adolescentes infratores. Isso foi expresso na promulgação da Constituição e do ECA. Atualmente, a percepção predominante é de que o tratamento a adolescentes que praticam atos infracionais deve priorizar medidas punitivas e ampliar o controle sobre os grupos sociais juvenis.

    Em relação à sujeição criminal (Misse, 2008), entendemos que o conjunto de propostas de RMP sugerem a aplicação de dispositivos que legitimariam o assujeitamento dos adolescentes, especificamente aqueles que são negros, pertencentes às classes sociais de baixa renda e residentes nas periferias das grandes cidades. Isso porque a atuação dos agentes policiais, promotores e juízes se baliza num pré-julgamento a partir de características sociais dos indivíduos acusados, em detrimento da jurisprudência que deve considerar fatos processuais em observância ao regimento legal. As propostas de RMP ampliam poderes judiciais sem contrapartida para garantias fundamentais, o que agravaria o quadro de sujeição criminal vivenciado por jovens negros e pobres do Brasil.

    Para compreendermos melhor esse processo, analisaremos algumas das proposições que sugerem a RMP. Dentre os mais de 60 projetos2 em tramitação no Congresso Nacional, se sobressaem três. Tratam-se dos projetos do ex-senador José Roberto Arruda (PSDB- Partido da Social Democracia Brasileira)3, do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB- São Paulo) e do ex-deputado Benedito Domingos (PP - Partido Progressista). Como todo tema que está inscrito na Constituição, o assunto deve obrigatoriamente, ser tratado por meio de uma PEC4. A partir deste entendimento, de que seria possível uma alteração da maioridade penal5, a proposição de Arruda foi delineada na PEC Nº. 20 (Arruda, 1991), já a de autoria de Ferreira (PSDB-SP) se inscreve na PEC Nº. 33/2012 (Ferreira, 2012) e a de Domingos se refere à PEC 171/1993 (Domingos, 1993). A escolha dessas três propostas para nossa análise não é simplesmente aleatória; antes parte do fato de que, dentre todas as proposições discutidas no âmbito do poder legislativo nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) foram as que angariaram forte respaldo entre os pares, além de obter um forte eco nos meios de comunicação.


  2. De acordo com Oliveira (2009) foram apresentadas 63 propostas na Câmara e no Senado Federal, dentre as quais, 49 na Câmara e 14 no Senado.

  3. Na época de apresentação do projeto o senador pertencia ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Por ocasião da retomada do seu projeto, já como governador do Distrito Federal, pertencia aos Democratas (DEM). Mas encerrou sua carreira pública no Partido Republicano (PR).

  4. Para os constitucionalistas, a maioridade penal é uma cláusula pétrea, isto é, só poderia ser modificada em uma

    nova constituição (ALVES, 2009; DALLARI, 2001; PESSOA, FERRAZ, PESSOA, 2013; REAL, 2013).

  5. Dizemos isso porque há um entendimento consistente, sobretudo entre os constitucionalistas, de que a “maioridade penal” está inscrita como cláusula pétrea, isto é, só poderia ser modificada ao se fazer uma nova constituição.



    Da RMP ao Incidente de Desconsideração da Inimputabilidade

    O dispositivo que define a maioridade penal está estabelecido no artigo 228 da Constituição Brasileira. Até o ano de 2012 as propostas de RMP se concentravam na propositura de simples alteração da redação do artigo e propondo abaixar a idade, reduzindo dos atuais 18 anos para 16. Mas a partir de 2012 surge uma nova estratégia do movimento punitivista. Nota-se que os conteúdos das propostas legislativas ampliaram o escopo da mudança. Não se limitaram mais a modificar a idade penal e passaram a propor alterações no conjunto de direitos que protegem adolescentes sob tutela do Estado. As diversas modificações legais, em distintas propostas, seguem o sentido comum de intensificar o caráter punitivo das medidas socioeducativas. Tratam-se de medidas que alteram direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescentes, que dispõe sobre garantias fundamentais dos mais jovens no Brasil. Vejamos mais sobre cada uma delas.

    A proposta de Arruda (que contou com a relatoria do então influente senador Torres) objetivou três mudanças. Primeiramente, intenta alterar a idade penal. Em segundo lugar, pretende impossibilitar o uso de medida socioeducativa para alguns tipos criminais. Terceiro, acréscimo do relator (Torres, 2007:4-6), propõe a reintrodução do instituto jurídico do discernimento (competência dada ao juiz de análise da capacidade de entendimento do adolescente sobre ato criminal). Embora atribua a perda do atendimento socioeducativo quando o crime estiver relacionado a crimes hediondos (estrategicamente, este não será o foco da proposta). A partir da retomada do projeto e da elaboração do parecer propondo a RMP, o ex-senador Torres surge como um forte protagonista de defesa da segurança pública e da redução da maioridade penal (Torres, 2007).

    O segundo movimento se deu com a PEC do Senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB- SP). Apresentada no ano de 2012, objetivou alterar as redações dos artigos 129 e 228 da Constituição Federal. Por meio do acréscimo almejava criar o instituto jurídico denominado de IDI (Incidente de Desconsideração da Inimputabilidade) para maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos. Tal proposta se abriria uma janela para que adolescentes pudessem ser julgados e condenados. Da mesma forma como propõem Arruda e Torres, o senador Ferreira defende: a) redução da maioridade penal; b) reingresso do instituto do discernimento. Porém sua proposta se diferencia ao atribuir a responsabilidade pela avaliação do discernimento ao Ministério Público (MP) e a punição para adolescentes ficaria condicionada a tipos criminais passíveis de serem acionados por meio do IDI, entre eles, a Lei dos Crimes Hediondos.

    Com a cassação do então Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, em 2010 e do Senador Demóstenes Torres em 2012 (ambos por corrupção), a proposta de RMP foi retomada pelo Presidente da Câmara eleito em 2015, deputado Eduardo Cunha (PMDB-Rio de Janeiro). A proposta básica escolhida por Cunha foi a PEC do ex-deputado Benedito Domingos (PP-Distrito Federal). Ela possui forte semelhança à proposta do então deputado José Roberto Arruda. De acordo com Domingos o objetivo é “...atribuir responsabilidade criminal ao jovem maior de dezesseis anos” (DOMINGOS, 1993: p.



    23062) e destaca ainda que o critério adotado para definir a faixa capaz de receber a punição possui viés estritamente biológico. Conferir o status estritamente biológico é uma estratégia para afirmar que há um descompasso entre o desenvolvimento biológico e o intelectual. De acordo com o autor, “Se há algum tempo atrás se entendia que a capacidade de discernimento tomava vulto a partir dos 18 anos, hoje, de maneira límpida e cristalina, o mesmo ocorre quando nos deparamos com os adolescentes com mais de 16”. A partir dessas premissas, Domingos aponta para pelo menos quatro teses: a) os adolescentes cometem a maioria dos crimes; b) os adolescentes são utilizados pelo crime; c) há um aumento da participação dos adolescentes no crime; d) muitos adolescentes já usufruem das práticas sociais para os maiores de 18 anos (DOMINGOS, 1993: p . 23063).

    Com se pode observar, os argumentos das três proposições se encontram em diversos pontos e se distanciam em alguns poucos. Todavia, os vários argumentos apresentados já foram objeto de contestações em inúmeros trabalhos. A afirmativa de que os jovens não são punidos foi desmontada por meio da evidência de que os adolescentes respondem, concretamente, por até seis medidas socioeducativas6. Além disso, podem ficar até nove anos em cumprimento de medidas, sendo ainda possível, ficarem mantidos nos centros de internação, em restrição de liberdade, por até três anos. Além disso, não gozam de benefícios jurídicos como progressão de pena, visita íntima, entre outros. Alguns pesquisadores e gestores indicam que os adolescentes recebem punições tão ou mais sistemáticas de que os próprios adultos (Bocchini, 2015).

    Os argumentos de que os adolescentes são utilizados pelo crime organizado são frágeis. Se for aliciado com 16 ou 17 pelo crime organizado, com uma eventual RMP, o tráfico poderia atrair jovens de 14 ou 15. Logo, barrar o aliciamento via procedimento de redução seria inócuo. Da mesma forma, partir da afirmação de que os legisladores devem acompanhar o desejo social, como já foi destacado em várias pesquisas (DATA FOLHA, 2013; DATA SENADO, 2012), apenas demonstra má fé do legislador. Como destacou Echegaray (2001) a opinião pública é um termômetro importante, contudo, chama a atenção de que não podemos fazer uma leitura ingênua de como os interesses se entranham. A opinião pública pode assinalar até mesmo contra a existência das instituições do sistema democrático como, por exemplo, defender o fechamento do Congresso.

    Por fim, não há como assegurar que a sociedade será mais segura e menos violenta com a RMP. Ao contrário, visualizando a possibilidade de que o consumo de álcool pode ser facilitado legalmente para as faixas etárias de 16 e 17 anos, e conhecendo o histórico das pesquisas que correlacionam consumo de álcool e práticas violentas, a tendência, seguramente seria de aumento da violência.

    O conjunto de modificações que destacamos acima, ainda que difiram de uma proposta legislativa para outra, tem em comum o fato de ampliarem o escopo de medidas sancionatórias no sistema socioeducativo. Ao mesmo tempo, nenhum desses projetos apresenta melhorias legais para o aprimoramento das medidas pedagógicas que fazem

  6. Elas vão desde a advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, até a liberdade assistida, a semi-liberdade e internação.



    parte desse sistema. Para fundamentar essa mudança que restringe direitos e amplia a punição os agentes políticos se embasam em discursos repressivos que enfatizam o combate à criminalidade. Com repetitiva alegação de que o sistema penal brasileiro promove a impunidade, esse discurso associa adolescência à ocorrência de crimes.

    A seguir, apresentaremos alguns indicadores empíricos que evidenciam a fragilidade dos argumentos que tentam sustentar as mudanças legais descritas acima. Utilizaremos, basicamente, informações sobre os índices de vitimização e de incidência de atos infracionais praticados por adolescentes. Os resultados de pesquisas mostram que esse grupo social tem participação quase inexpressiva, comparados aos adultos, na composição das taxas de homicídio, roubos, furtos e outros crimes. Ao mesmo, diferente das faixas populacionais adultas, os mais jovens são vitimados em proporções significativamente maiores. Nesse sentido, ficará mais claro que as iniciativas políticas de reduzir a idade penal no Brasil são elementos que caracterizam o fenômeno da cultura do controle (Garland 2008) e o processo de sujeição criminal (Misse, 2010).


    Vitimização de adolescentes no Brasil

    Nessa parte do trabalho faremos um exercício de questionamento sobre punição/ impunidade tendo como base o processo de vitimização dos adolescentes no Brasil. O objetivo é trazer dados que demonstram que as narrativas que apontam para uma “maior”, “maioria” ou “expressiva participação” dos adolescentes nos atos não se sustentam. Para, além disso, podemos afirmar que existe uma estrutura jurídica paralela que “condena e pune” por meio da crescente vitimização letal dos adolescentes/jovens no Brasil.

    De acordo com dados do Relatório Homicídio de Adolescentes no Brasil (IHA, 2008: 10), o homicídio foi a principal causa de morte de pessoas entre 12 e 18 anos no Brasil, correspondendo a 44% dos óbitos, quase a metade. Este número está acima da porcentagem considerada para a população total, em que os homicídios representam 6% do total de mortes.


    Gráfico 1. Tendência do IHA de 2005 a 2012.


    Fonte: Elaboração Própria a partir de dados divulgados no relatório IHA dos anos 2008, 2010 e 2012.



    Segundo o mesmo relatório, adolescentes negros têm risco quatro vezes maior de serem vítimas, comparados aos jovens brancos. Em sua edição de 2010, o respectivo relatório apontou que adolescentes têm 5,6 vezes mais chances de serem mortos por arma de fogo do que o restante da população. Neste mesmo ano, o homicídio subiu para 45,2% da causa de morte na faixa etária de 12 a 18 anos; enquanto se registrou queda ao se considerar a população total, em que os homicídios representaram 5,1% das causas de morte. Se tomarmos os dados do IHA de 2005 a 2012 percebemos que a vitimização de adolescentes saiu de uma taxa de 2,75 por mil para 3.32. Isto representa um crescimento de mais de 20% dos homicídios de adolescentes no Brasil. Embora conte com oscilações para cima e para baixo, desde 2007 (2,56) que elas seguem uma trajetória ascendente (Gráfico 1).

    No Gráfico 2 é possível visualizar que a tendência ascendente de vitimização de adolescentes se concretizou no ano de 2012, em que o Mapa da Violência registrou a taxa de homicídios para cada grupo de cem mil. Percebe-se que adolescentes de 16 e 17 anos são numericamente mais vitimados.


    Gráfico 2. Mortalidade de adolescentes em 2012


    Fonte: Elaboração própria a partir de dados divulgados no Mapa da Violência (2015).


    Ao considerar todo o grupo de adolescentes, a taxa foi de 31,3; enquanto a mesma taxa, considerando a população geral, foi de 25,9. Em números absolutos, no ano de 2012, foram 7.592 adolescentes vitimados letalmente, o que corresponde a 17,2% do total de homicídios ocorridos no Brasil.

    Se tomarmos a “faixa impune” que pretende ser alcançada pelos projetos de RMP, observamos que os adolescentes de 16 anos possuem uma taxa de vitimização de 37,1, isto é, 43% maior que a média da população geral. E se tomarmos os adolescentes de 17 anos a variação sobe para 114,67%. Esse dado é uma clara demonstração de que os adolescentes pagam um preço muito mais caro que o conjunto das outras faixas etárias que compõem a sociedade.



    Criminalidade, violência e atos infracionais

    Observando a participação dos adolescentes nas práticas criminais temos outro cenário de evidências que demonstram o caráter falacioso de teses expostas nos projetos de RMP. Do total de homicídios ocorridos em 2012, 4,5% foram de autoria de adolescentes. Para estimar a participação de adolescentes no total de homicídios registrados, consideramos: primeiro, o número de homicídios divulgado pelo Sistema Nacional de Informação de Segurança Pública, que foi de 44.019; segundo, o número de homicídios praticados por adolescentes, de acordo com relatório Levantamento Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2014), que foi de 1.963. Estes dois meios de divulgação levantam seus dados a partir de fontes similares: os registros oficiais de órgãos do sistema de segurança. Optamos por não utilizar, para esta estimativa, o Mapa da Violência (de 2015), por se tratar de um relatório que levantou especificamente os homicídios resultantes de uso arma de fogo, o que representa 40.077 casos no total. Fosse o caso usar o Mapa da Violência, a porcentagem seria de 4,9% de homicídios praticados por adolescentes em relação ao total. Caso utilizássemos a contagem do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (de 2014), a porcentagem de homicídios de autoria de adolescentes seria de 3,9%.

    Esse percentual indica que o adolescente é perigoso? Nesse mesmo ano (2012), também de acordo com o Anuário, 1.963 pessoas foram vítimas fatais da ação de adolescentes e

    2.332 foram mortas pela polícia. Se considerarmos que o Brasil tem mais de 20 milhões de adolescentes (12 a 17 anos completos, de acordo com o IBGE-Banco Sidra/Censo 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010), e pouco mais de 520 mil policiais, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2013, podemos indagar o quanto a atividade policial tem sido violenta e proporcionalmente mais vitimizadora que os adolescentes.

    Esses números indicam, aproximadamente, que brasileiros correm um risco 40 vezes maior de serem mortos por um policial do que por um adolescente7. Contudo, as corporações policiais não aparecem nos discursos do medo propagados pela grande mídia e raramente são apresentados projetos de lei para ampliar o controle e a regulação das polícias. Diferente disso, sobram propostas de lei para o endurecimento penal que afetariam diretamente a juventude.


    À guisa de conclusão: os impactos da RMP

    Com o discurso em favor da RMP os mais jovens formam o novo grupo social que carrega o estereótipo de inimigo público. Se hoje são os adolescentes que aparecem como segmento perigoso, noutras épocas foram os favelados, os traficantes, os viciados, assim como também já foram os ciganos, as mulheres, os judeus ou as bruxas. Parece- nos sistemática e não aleatória a escolha de segmentos sociais para se canalizar discursos


  7. Valor estimado com base em cálculo de razão de chance, considerando as diferenças de proporção, através da análise de tabela de contingência do tipo 2x2. Levou-se em conta o número total de Policiais em atividade, o número de adolescentes e o número de homicídios praticados por cada um dos grupos no ano de 2013.



    punitivos. Geralmente, esses discursos de criminalização são dirigidos a segmentos socialmente vulneráveis. A velha metáfora do bode expiatório ilustra uma sociedade que, para não atacar os problemas reais, prefere eleger um grupo vulnerável para que pague pelos pecados de todos (Appadurai, 2009:45-65). Não são poucos os grupos que querem reduzir os direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

    Para supostamente acabar com a criminalidade, nos dias atuais tenta-se a RMP. Porém, diante das contradições entre dados empíricos e proposições apresentadas, devemos aprofundar os debates., Torna-se necessário esclarecer o que leva legisladores, mesmo diante das evidências de que os jovens não respondem pela maior parte dos crimes, a afirmarem, que “O noticiário da imprensa diariamente publica que a maioria dos crimes de assalto, de roubo, de estupro, de assassinato e de latrocínio, são praticados por menores de dezoito anos”(DOMINGOS, 1993:23063), como por exemplo faz o proponente da PEC 171/1993

    Isto legitima um novo questionamento, o que está por trás desse insistente desejo pela RMP? O debate está marcado por interesses. Eles vão desde interesses econômicos, aos interesses do discurso estritamente eleitoral. Analisando os projetos propostos no Congresso observamos que há uma fina sintonia entre as proposições que querem a redução da maioridade penal com aqueles que querem permitir jovens de 15 a 17 anos poderem dirigir. A redução da maioridade pode se tornar um negócio rentável para uns poucos fabricantes, revendedores e seus “despachantes de luxo” no Congresso Nacional. Mas a despeito de os jovens serem as principais vítimas de automóveis (Oliveira et al, 2015), isso, ao que parece, não é um problema. O mesmo raciocínio pode ser estendido para o mercado de bebidas alcoólicas, que pode antever vantagens na ampliação do consumo com a possível mudança na restrição da compra desses produtos por jovens com menos de dezoito anos. Por fim, observa-se que a proposta da PEC que propõe o Incidente de Desconsideração da Inimputabilidade para crimes hediondos é apenas um passo para encarcerar mais adolescentes. Para isso basta ampliar o escopo da tipologia de crimes hediondos, muito mais simples de se votar.


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Vol 26, N°1


Esta revista fue editada en formato digital y publicada en marzo de 2017, por el Fondo Editorial Serbiluz, Universidad del Zulia. Maracaibo-Venezuela


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